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terça-feira, 25 de junho de 2013

Praia dos Espelhos - Parte I



O sol brilhava forte na rua. Eles ainda estavam a fazer o que de melhor fazem quando a oportunidade de estar juntos se concretiza. As pernas, não se sabem mais qual é de quem. Os lençóis brancos, de algodão puro, transmitem o que sentem estes dois por agora. Ela já acordada está, apenas a aproveitar o belo sono restante no corpo de seu amado. A paz é pertinente ao tormento anterior. Tempestade de incerteza por uma possível paternidade. De uma não maternidade. Ela se considera plena para colocar uma vida ao mundo. Ela quer que ele dê uma vida a ela por ele tanto já ter feito isso com seu sorriso e sua aventura. Ele já tem um filho, um lindo garoto de aproximadamente 10 anos, fruto de uma relação não muito estável. Reza a lenda que seu filho veio por um aperto de mão ou algo tão rápido quanto. Um espirro ou uma tosse talvez. 

Não muito tardou para ele acordar e ver o rosto dela a admirar-lhe. Ele sorri e resmunga algo a reclamar o tanto de vida que eles delegam à cama. Ela dá um beijo em sua testa, levanta-se, cobre-se com um roupão de seda de cor coral que houvera deixado sobre a poltrona, abre a cortina e a porta que dá para a sacada. O sol invade o quarto, tornando o branco dos lençóis mais brilhante que já fora. A brisa. O agora comprido cabelo dela voa num movimento de dança acompanhado do ballet do roupão. É realmente lindo aqui, exclama ele que já se encontrava ao pé do ouvido dela, com a voz rouca do acordar, a olhar para o distante. Ela responde que não houvera tempo que não fosse lindo quando a possibilidade do encontro se faz. O abraço que ela tanto gosta se repete naquela paisagem que se aproxima do paraíso. Os braços dele envolvem a cintura de pele morena por de baixo do roupão de seda. Os braços dela o apertam por cima, e uma de suas mãos executa o vício de desarrumar-lhe os cabelos. Cabelos milagrosamente curtos. Um bom dia em alto e bom som é expedido pela boca de grandes lábios dela. Um muito bom em meio um sorriso é expedido pela pequena boca rosada dele. Saem do quarto do hotel rumo a um quiosque beira-mar. Duas águas-de-coco são o pedido. Ainda falta algum tempo para o almoço. Ela conta que descobriu um restaurante espetacular que fica dentro dágua.

- De onde você tira tantas ideias e por que ainda me escolhe para passar suas férias a seu lado, nessa magnífica praia. De onde você descobre esses lugares? Praia dos Espelhos! Você sempre se supera.

- Você não gostou do meu convite?

- Um hotel ótimo, numa paisagem ótima, com uma programação ótima ao seu lado, tem como não gostar? Tem como dar um replay e ficar aqui vagabundeando pro resto de tempo que me falta? Já devo ter dito isso umas mil, talvez mais vezes, mas você é ótima. Louca e imprevisivelmente ótima.

- Louca e imprevisível o suficiente para você não se negar aos meus convites.
Ambos sorriem. Lembram de sua última viagem com mais de uma semana juntos. Na época, fazia um pouco mais de um ano que ele estava a trabalhar no jornal e ela tinha acabado de concluir a faculdade e estava pleiteando seu mestrado. Fugiram do mundo por 3 semanas naquele verão. Sem celulares, sem redes sociais, sem maiores preocupações além de o que iriam comer no outro dia e de como iriam fazer para chegar no próximo hostel. E quantas histórias eles conseguiram em cada hostel que passaram.

- Ainda tenho dó do casal tibetano. Você lembra? - disse ela.

- Como eu esqueceria, se ensinei a maioria dos palavrões em português pra eles... Só não contei que eram palavrões!

- O melhor foi a cara da recepcionista burra quando eles foram embora e largaram um "puta loira" como se fosse um cumprimento de despedida. Imagina o estrago deles pegando o ônibus... Você acabou com as férias deles!

- Não. Só dei um pouco mais de emoção!
E as histórias não paravam. Recordam que quando chegaram no Espírito Santo, tinham dinheiro para voltar só até Santa Catarina.

- Ainda bem que meus 3 últimos casamentos me ensinaram a mentir bem. Não sei até hoje como que consegui ajudar aquele pescador. Logo eu, que nunca havia pescado na vida.

- Se fosse eu pescando, teria pego bem mais peixes. Você é bem melhor em se casar e se separar. Naquela época eram só 3 casamentos. Hoje são quantos mesmo?

- Uns 7?

- Talvez um pouco mais... hahaha!

- Você não se decide em colocar um ponto final nisso. Tu sabe que a hora que você quiser... - ela o interrompe.

- Morto pelo marido da minha futura esposa! Lembra disso?

- Ah se lembro! Cada vez que te beijava, mais próximo dos tiros eu me sentia.

- Pois é. Ele queria tanto uma família, filhos... Eu realmente acreditava nele. Boba eu. Ele também é humano. Fez certo em ter engravidado a garota da padaria. Eu nunca podia estar com ele mesmo.

Ele olha para o relógio.

- Hora do almoço? - Pergunta ela.

- Também. Mas eu só tava vendo que a hora de te roubar está chegando.

- Você está me roubando faz uns onze anos...

- Já leu a última versão do meu livro?

- Não sei se era a última, mas pra mim já tá mais que na hora de mandar pra editora. Tem uma amiga minha, daquela editora que trocou de nome há pouco tempo... Ah! Você sabe aquela lésbica que ficava com a irmã do Rodrigo... Tenho o telefone dela. Te dou assim que voltarmos pro hotel.

Ele olha para a face daquela mulher. Olha para toda aquela matraca. Uma metralhadora de palavras. De problemas e soluções. Lembra que já foi tanta coisa ao lado dela. De encanador a amiga russa.

- Para de ficar me olhando e vamos logo pegar um táxi. Lugares bons costumam lotar!

Ele dá um beijo nela.

- Você não pára de falar nunca, né? - diz ele

- Você bem sabe que eu paro sim, quando você me ocupa o suficiente...

- Okay! Vamos logo para esse magnífico, esplendoroso e fantástico restaurante que fica dentro dágua e lota rápido.

- Dramáááático! Hahaha!

Almoçam no bendito restaurante. Além da paisagem maravilhosa e do valor estrondoso dos pratos, a comida não era a quinta maravilha como nas fotografias. E ambos pensam no arroz com feijão preto, bife e bata frita. Acordam em jantar no hotel mesmo. Mas para janta ainda falta muito. À tarde, saem para conhecer a praia. Praia sem crianças. Bem diferente das praias do sul. Água azul, pessoas bonitas, comidas caras, gente com sotaque de difícil compreensão. Enfim, uma sombra. Ela senta ao chão. Ele deita e coloca a cabela ao colo dela.

- O melhor cafuné do mundo! - diz ele.

- O maior exagerado do mundo!

- Você é linda!

O silêncio das vozes permanece por alguns instantes. Apenas o barulho do vento era apreciado. Até que os pensamentos dela escapam.

- Quero um filho teu.

O silêncio permanece por mais alguns instantes. Ele não acreditara no que ouvira. Também não esperava esta frase dela, ainda mais nesse momento. Muitas possibilidades passam rápidas a mente dele.

- Tá bom! - diz ele.

- Sério? Assim, sem perguntas? De boa?

- Sempre terei um sim para você. Por mais absurda que pareçam as suas ideias, elas são sempre ótimas tanto quanto você. Se queres um filho meu, a única coisa que me permito dizer é um sim. Um sim de sim, quero um vínculo com você pro resto da vida. Quero um lindo vínculo tão bonito e esperto quanto você, quero um vínculo que me chame de pai, que me ocupe todas as folgas, que me ocupe todas as não folgas, que preencha minhas colunas, meus livros, minha vida, nossas vidas.

Uma completa romântica disfarçada em pele de mulher moderna, independente e autossuficiente. Ele sabe disso. Sempre soube. E por isso é com ele que ela se confessa, é com ele que ela foge sempre, é ele o único pai que ela pudera imaginar.


[continua]