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terça-feira, 2 de julho de 2013

Vamos fugir



- Vamos fugir! - diz ela.
sobrancelha esquerda dele abre uma curva, a deixar nítida sua incerteza.
- Pra onde haja um tobogã, onde a gente escorregue?
- Com esse calor seria ótimo. Mas não. Pensei na gente fugir como um casal adolescente que foge da casa dos pais e volta arrependido logo depois que acaba a grana da mesada. Ou tipo aqueles casais que aparecem nas páginas policiais, só que sem estarmos mortos no final.
- Você diz fugir com uma barraca, pra um mato qualquer? Eu tenho o jornal e você tem o seu mestrado pela frente.
- E é por isso que preciso mudar de ares. Pela primeira vez não precisaremos inventar algo para eu poder te tirar da sua casa. Você está só. Eu estou só. Pede férias lá no jornal. Enchemos duas mochilas, gastamos nossos cartões de crédito. Eu troco os meus pontos na Panvel. Você troca as sua milhas aéreas.
- Eu não tenho milhas aéreas!
- Não importa. A gente coloca seu celular e aquele par de Havaianas 44 que você ganhou de amigo secreto há 2 anos para vender no Mercado Livre. Damos um jeito de ir. Sempre damos o nosso jeito.
- Seus argumentos são ótimos... Tá bom então!
- Então já manda o e-mail pro Amaral pedindo tuas férias.
- Enquanto você tá indo, eu já tô vindo. Eu tava vendo umas ofertas num site de promoções de pacotes em hotéis. Comprando agora pra depois da virada, tem uns preços muito bons. Pedi 15 dias pro Amaral. E... - diz ele, com uma cara de decepção.
- E?
- E o que é que eu não consigo, né. Os últimos 15 dias de janeiro são nossos!
Ele faz cócegas por perto das costelas dela. O pensamento dela na hora já foi de comprar aquelas mochilas grandes de escoteiro e começar a encher de imediato.
- Ah! E deixa pra comprar as mochilas e os trambucos, que eu sei que você vai arrumar, depois do fim do ano. Ainda temos que sobreviver ao natal.
Ele encara a face daquela mulher. Mulher dele. Mais dele que de todos os outros. Os outros já por muito se foram. Mesmo ela totalmente livre, mesmo sem metais pendurados aos dedos, mesmo sem presentes caros, mesmo sem promessas de um futuro seguro, mesmo assim, ela volta a procurá-lo, volta a sentí-lo, volta nem que seja para convidá-lo a ir até a padaria depois do trabalho para juntos fazer um café da tarde com torradas e café com leite. Tão seguro da volta dela quanto do gato à casa dos donos. Seguro dele ficar assim, aos pedaços por ela, a impregnar os pensamentos dela, ele sorri. Pelo sorriso dele, ela também sorri.
- Já decidiu o que vai dar para seu filho de natal? - diz ela.
- Olha... Pensei numa esteira! Ele tá um pouco... você sabe, gordinho.
- O garoto tem 6 anos. Prefere um videogame, seu doido!
- Boa! Um videogame que faça ele se mexer! Caro. Não vamos mais viajar.
- Assim também não. Sejamos viáveis para ambos lados.
- Vou dar uma bola do Grêmio, a minha coleção de gibis e um gibi novo, para ele começar a coleção dele. E então vou falar para ele que este é um importante ritual familiar, pois em todo natal em que a soma dos números dê 3, e houver uma criança na família com o dobro da idade da soma do ano, o pai então dará para o filho a sua própria coleção de gibis. E que no próximo ano, só será desvendado o mistério do ritual familiar, caso ele atinja o índice de massa corpórea de uma criança normal pra idade dele.
- É uma boa ideia. Acho que ele não vai entender muito bem todo esse lance, porque nem eu entendi direito, mas no fim, a bola vai resolver o sedentarismo dele. - ela beija-o. - Bom, tenho que ir pra casa pra dar comida pro Inácio.
- Teu peixe beta não vai morrer por um dia sem comida. Comprei um vinho ótimo pra gente. Fica aqui hoje.
- O que você me pede sorrindo que eu não faço chorando? Ou seria o contrário?

[...]

terça-feira, 25 de junho de 2013

Praia dos Espelhos - Parte I



O sol brilhava forte na rua. Eles ainda estavam a fazer o que de melhor fazem quando a oportunidade de estar juntos se concretiza. As pernas, não se sabem mais qual é de quem. Os lençóis brancos, de algodão puro, transmitem o que sentem estes dois por agora. Ela já acordada está, apenas a aproveitar o belo sono restante no corpo de seu amado. A paz é pertinente ao tormento anterior. Tempestade de incerteza por uma possível paternidade. De uma não maternidade. Ela se considera plena para colocar uma vida ao mundo. Ela quer que ele dê uma vida a ela por ele tanto já ter feito isso com seu sorriso e sua aventura. Ele já tem um filho, um lindo garoto de aproximadamente 10 anos, fruto de uma relação não muito estável. Reza a lenda que seu filho veio por um aperto de mão ou algo tão rápido quanto. Um espirro ou uma tosse talvez. 

Não muito tardou para ele acordar e ver o rosto dela a admirar-lhe. Ele sorri e resmunga algo a reclamar o tanto de vida que eles delegam à cama. Ela dá um beijo em sua testa, levanta-se, cobre-se com um roupão de seda de cor coral que houvera deixado sobre a poltrona, abre a cortina e a porta que dá para a sacada. O sol invade o quarto, tornando o branco dos lençóis mais brilhante que já fora. A brisa. O agora comprido cabelo dela voa num movimento de dança acompanhado do ballet do roupão. É realmente lindo aqui, exclama ele que já se encontrava ao pé do ouvido dela, com a voz rouca do acordar, a olhar para o distante. Ela responde que não houvera tempo que não fosse lindo quando a possibilidade do encontro se faz. O abraço que ela tanto gosta se repete naquela paisagem que se aproxima do paraíso. Os braços dele envolvem a cintura de pele morena por de baixo do roupão de seda. Os braços dela o apertam por cima, e uma de suas mãos executa o vício de desarrumar-lhe os cabelos. Cabelos milagrosamente curtos. Um bom dia em alto e bom som é expedido pela boca de grandes lábios dela. Um muito bom em meio um sorriso é expedido pela pequena boca rosada dele. Saem do quarto do hotel rumo a um quiosque beira-mar. Duas águas-de-coco são o pedido. Ainda falta algum tempo para o almoço. Ela conta que descobriu um restaurante espetacular que fica dentro dágua.

- De onde você tira tantas ideias e por que ainda me escolhe para passar suas férias a seu lado, nessa magnífica praia. De onde você descobre esses lugares? Praia dos Espelhos! Você sempre se supera.

- Você não gostou do meu convite?

- Um hotel ótimo, numa paisagem ótima, com uma programação ótima ao seu lado, tem como não gostar? Tem como dar um replay e ficar aqui vagabundeando pro resto de tempo que me falta? Já devo ter dito isso umas mil, talvez mais vezes, mas você é ótima. Louca e imprevisivelmente ótima.

- Louca e imprevisível o suficiente para você não se negar aos meus convites.
Ambos sorriem. Lembram de sua última viagem com mais de uma semana juntos. Na época, fazia um pouco mais de um ano que ele estava a trabalhar no jornal e ela tinha acabado de concluir a faculdade e estava pleiteando seu mestrado. Fugiram do mundo por 3 semanas naquele verão. Sem celulares, sem redes sociais, sem maiores preocupações além de o que iriam comer no outro dia e de como iriam fazer para chegar no próximo hostel. E quantas histórias eles conseguiram em cada hostel que passaram.

- Ainda tenho dó do casal tibetano. Você lembra? - disse ela.

- Como eu esqueceria, se ensinei a maioria dos palavrões em português pra eles... Só não contei que eram palavrões!

- O melhor foi a cara da recepcionista burra quando eles foram embora e largaram um "puta loira" como se fosse um cumprimento de despedida. Imagina o estrago deles pegando o ônibus... Você acabou com as férias deles!

- Não. Só dei um pouco mais de emoção!
E as histórias não paravam. Recordam que quando chegaram no Espírito Santo, tinham dinheiro para voltar só até Santa Catarina.

- Ainda bem que meus 3 últimos casamentos me ensinaram a mentir bem. Não sei até hoje como que consegui ajudar aquele pescador. Logo eu, que nunca havia pescado na vida.

- Se fosse eu pescando, teria pego bem mais peixes. Você é bem melhor em se casar e se separar. Naquela época eram só 3 casamentos. Hoje são quantos mesmo?

- Uns 7?

- Talvez um pouco mais... hahaha!

- Você não se decide em colocar um ponto final nisso. Tu sabe que a hora que você quiser... - ela o interrompe.

- Morto pelo marido da minha futura esposa! Lembra disso?

- Ah se lembro! Cada vez que te beijava, mais próximo dos tiros eu me sentia.

- Pois é. Ele queria tanto uma família, filhos... Eu realmente acreditava nele. Boba eu. Ele também é humano. Fez certo em ter engravidado a garota da padaria. Eu nunca podia estar com ele mesmo.

Ele olha para o relógio.

- Hora do almoço? - Pergunta ela.

- Também. Mas eu só tava vendo que a hora de te roubar está chegando.

- Você está me roubando faz uns onze anos...

- Já leu a última versão do meu livro?

- Não sei se era a última, mas pra mim já tá mais que na hora de mandar pra editora. Tem uma amiga minha, daquela editora que trocou de nome há pouco tempo... Ah! Você sabe aquela lésbica que ficava com a irmã do Rodrigo... Tenho o telefone dela. Te dou assim que voltarmos pro hotel.

Ele olha para a face daquela mulher. Olha para toda aquela matraca. Uma metralhadora de palavras. De problemas e soluções. Lembra que já foi tanta coisa ao lado dela. De encanador a amiga russa.

- Para de ficar me olhando e vamos logo pegar um táxi. Lugares bons costumam lotar!

Ele dá um beijo nela.

- Você não pára de falar nunca, né? - diz ele

- Você bem sabe que eu paro sim, quando você me ocupa o suficiente...

- Okay! Vamos logo para esse magnífico, esplendoroso e fantástico restaurante que fica dentro dágua e lota rápido.

- Dramáááático! Hahaha!

Almoçam no bendito restaurante. Além da paisagem maravilhosa e do valor estrondoso dos pratos, a comida não era a quinta maravilha como nas fotografias. E ambos pensam no arroz com feijão preto, bife e bata frita. Acordam em jantar no hotel mesmo. Mas para janta ainda falta muito. À tarde, saem para conhecer a praia. Praia sem crianças. Bem diferente das praias do sul. Água azul, pessoas bonitas, comidas caras, gente com sotaque de difícil compreensão. Enfim, uma sombra. Ela senta ao chão. Ele deita e coloca a cabela ao colo dela.

- O melhor cafuné do mundo! - diz ele.

- O maior exagerado do mundo!

- Você é linda!

O silêncio das vozes permanece por alguns instantes. Apenas o barulho do vento era apreciado. Até que os pensamentos dela escapam.

- Quero um filho teu.

O silêncio permanece por mais alguns instantes. Ele não acreditara no que ouvira. Também não esperava esta frase dela, ainda mais nesse momento. Muitas possibilidades passam rápidas a mente dele.

- Tá bom! - diz ele.

- Sério? Assim, sem perguntas? De boa?

- Sempre terei um sim para você. Por mais absurda que pareçam as suas ideias, elas são sempre ótimas tanto quanto você. Se queres um filho meu, a única coisa que me permito dizer é um sim. Um sim de sim, quero um vínculo com você pro resto da vida. Quero um lindo vínculo tão bonito e esperto quanto você, quero um vínculo que me chame de pai, que me ocupe todas as folgas, que me ocupe todas as não folgas, que preencha minhas colunas, meus livros, minha vida, nossas vidas.

Uma completa romântica disfarçada em pele de mulher moderna, independente e autossuficiente. Ele sabe disso. Sempre soube. E por isso é com ele que ela se confessa, é com ele que ela foge sempre, é ele o único pai que ela pudera imaginar.


[continua]

domingo, 19 de maio de 2013

Fones de ouvido


No fone dela toca a mesma música de sempre, na mesma playlist de sempre.
Silva. Adriano Silva é o nome dele. Ganhou a fama de Silva no quartel, há uns 5 anos atrás, quando Lula conquistou a presidência.
Lena. Eduarda Faleiro é o nome dela. Ganhou a fama de Lena de sua tia, que por algum motivo ainda não compreendido, chamava-a assim aos gritos para parar de jogar bola no meio da rua junto dos meninos.
Lena costumava pegar o ônibus das 18 horas e 15 minutos, do qual Silva é o cobrador. O ônibus quase sempre está com todos os assentos ocupados, menos os bancos preferenciais de antes da roleta, geralmente, sem passageiros preferenciais. Lena tem uma teoria sobre estudantes com grandes mochilas serem passageiros preferenciais. Até pensou fazer uns adesivos para colar ao lado do das grávidas e pessoas com crianças de colo. Às vezes lê, às vezes dorme, às vezes rói as unhas.
Silva repara aquela garota há algumas semanas. Sual calças pretas skinny, suas camisetas brancas, seu all star de couro branco, suas unhas curtas, sua sutileza, seu breve sorriso após o "oi", seus olhos verdes, seus cabelos lisos, negros e bagunçados.
Alguns meses de rotina acaba por gerar um tanto quanto de proximidade. Entre conversas não muito longas, descobrem que moram no mesmo bairro e que gostam de literatura.
Num barzinho próximo à casa de Lena, ocorre o primeiro de muitos encontros. Quando de sua chegada, logo avista Silva. Seus olhos brilham mais que o de costume. Percebe um homem bonito, alto, moreno, com um charme ainda enigmático. Quando Silva avista Lena, um largo sorriso surge, tão branco, tão puro. Até as lâmpadas invejaram tamanha incandescência. 
Entre conversas e uísques, Silva é surpreendido por um encontro de lábios mais que desejado. Lena sente o calor de Silva e o tremor da criança que rouba o pote secreto de doces. Caindo em si, Silva vê a hora e argumenta que precisa ir. Dá um beijo de boa noite. Lena, dá um quase beijo de bom dia.
Durante o trajeto diário de Lena, o sorrir surge sem causa. Os fones estão abandonados em sua imensa mochila. Suas camisetas brancas, estão sendo aos poucos, substituídas por cores e decotes. 
Dentro das possibilidades, juntos descobrem outros cantos da cidade. Dentre belas palavras do poeta, o pensamento quente de Lena. Sobre a macia pele de Lena, as delicadas mãos do poeta. Entre eles uma única coisa impede: o relógio.
Havia, Lena, notado o horário. O termômetro de rua marcava 23 graus e 21:20. Nove e vinte da noite. E acaba ali com o "tenho que ir" beijo de boa noite e o "fica mais um pouco" quase beijo de bom dia.
Algo que não combina com a personalidade de Lena é questionar sobre a vida dos outros, até por que ela acredita que algo que você queira que seja sabido, se é contado e não, questionado, mas a inquietude já estava em seus olhos. Silva percebeu. Lena obrigou-se a falar sobre o bendito do horário. Silva já temia isso há algum tempo. Também já havia pensado e repensado a resposta. Tira do bolso uma folha amarela, com duas dobraduras paralelas. Na parte da frente está escrito "Com Carinho", a data de antes de antes de ontem, e suas iniciais "A. S.". Junto da folha, Silva explica que a coragem lhe faltava para entregar tamanha explicação. Alcança a carta à Lena. Dá-lhe um beijo e sai sem nada mais a pronunciar. Lena, sem entender o que está acontecendo, ou talvez não querendo crer no que está vendo, vai para sua casa. Da sala, percebe pelas risadas que brotavam do quarto de sua amiga, que ela estava acompanhada. Vai direto para seu quarto, liga o abajour, senta na cama de pernas cruzadas e abre a carta:

"Precisar-te-ei por muito mais todo o sempre,
por todo teu cheiro,
por todo teu ser...
Você é ótima, garota. Cada gota, cada doce gota de você embreaga minha verdade e me leva a outro lugar, outro sentir. Todavia, a verdade ainda está lá, tão lúcida quanto a morte. E o desejo, tão ardente quanto o fogo. E os seus lábios, tão perfeitos com as suas gírias, com os meus... Você transborda minha poesia, mas é ao lado de outra que adormeço. És tu tão próxima de tudo que sempre procurei, que me nego a abdicar do seu sorriso. Espero que compreenda."

E o mundo dela caiu. Dois meses e um pouco mais de amantismo. Passou a pegar o ônibus das 18 e 30. Não confia mais em cobradores. Acha a poesia muito barata.
Ele seguiu. Voltou a fazer hora-extra pois não tinha nada de mais interessante para fazer até às 21 horas e 20 minutos, horário que sua esposa chega do trabalho. Continua a procura de um novo olhar, em uma nova passageira.
No fone dela toca a mesma música de sempre, na mesma playlist de sempre.


domingo, 11 de novembro de 2012

Vergonha azul

Vergonha de ser gremista. Foi o que eu senti hoje, durante alguns minutos, enquanto alguns torcedores do Grêmio urravam gritos de guerra ofensivos aos colorados. Uniram-se não para exaltar as qualidades do time do coração, e sim, para agredir com palavras baixas e gestos estúpidos. Dignos de vergonha alheia. Pena.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Frase de agenda

E quando você pensa que sabe todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas. Foi isso que uma amiga escreveu numa agenda minha quando eu estava na oitava série. Naquela época pensei que ela estava tentando me mandar um recado subliminar, uma indireta, já que todos me consideravam a melhor aluna da turma. Hoje, uns 5 anos depois, percebo o real significado do dito popular. Quando finalmente consegui a coragem necessária para dar a cara a tapa. Coragem necessária para tomar as minhas decisões. Coragem para estruturar um plano de vida onde eu supostamente alcançaria a plenitude. Vem a vida e muda todas as regras do jogo. A situação mais improvável acontece. Uma jovem mulher de 47 anos, forte, guerreira de fé, mulher-macho, mãe, minha mãe, arrebatada numa segunda-feira à tarde por dores fora de série. Levada ao hospital as pressas. Negligênciada as claras. Com uma cura as escuras. Não se sabe o motivo da dor. Fazem, fazem, fazem exames e mais outros. Câncer. No peritonio. Generalizado. Irreversível. Doloroso. Avassalador. Para ela, para a família, pra mim. Agora é esperar, seja por um milagre ou pelo pior. Esperar...