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terça-feira, 23 de julho de 2013

Rosas, Livros e Asteroides

O projeto do residencial geriátrico na França não mais poderia ser concretizado. Sua filha mais nova já anda investigando suas possíveis habilidades de futuro. Não tiveram todos os filhos dos planos de 30 anos atrás. O mundo na rua também está bem diferente. Ninguém mais vai à rua. Neve de manhã. No mínimo 45 graus Celsius à tarde. As calotas... Bem, constam nas redes de história e geografia dos menores. Os livros estão apenas no Museu Central de Washington. O Sol serve como energia para sustentar a infra-estrutura das grandes fortalezas. A Lua serve de lembrança para os eternos românticos, de ambiente para desenvolver tecnologias radioativas e de centro de análise para cálculos da rota elíptica terrestre, que sofre desvios constantes. A internet é distribuída junto com a eletricidade sem fio, disponível de maneira gratuita a todos. A água era dessalinizada e racionada. As plantações se davam em estantes de prédios de pequeno porte, de aproximadamente 40 andares. O ar era filtrado por grandes estruturas de 500 em 500 metros. Aquele que achasse pouco, poderia comprar um filtro para sua própria casa ou, como solução mais barata, comprar seu cilindro de oxigênio. O oxigênio não era tão caro quando comparado ao valor do próprio cilindro. A extração de metais da natureza era muito complexa e em grande parte era destinado à ampliação das fortalezas.

-Olá mamãe! Como está?

-Bem, Sofis! E como foi seu dia hoje?

-Ah... O de sempre, né mãe. Não aguento mais o novato. Não aceita ordens. Acha que tem soluções milagrosas. Cê sabe que jogar num videogame é bem diferente que pilotar uma nave. Pois ele não. Mas onde está papai?

-Seu pai está entregando dez cilindros. O Leandro se demitiu hoje de manhã, disse que tá cansado dessa vida de entregador e quer ter seus próprios cilindros.

-Cê acha que isso vai afetar os aluguéis do pai? Um concorrente surgindo?

-Não... Aposto que depois de gastar todo o dinheiro que ele pegou, vai voltar aqui pedindo emprego e seu pai vai dar, aposta quanto?

-Sei que papai tem bom coração, desde quando ele me levava pra aula e... Ah! Nostalgia não me faz bem.

-Você tem razão, Sofia. Me fala mais sobre o novato. Certeza que é só a marra dele que te incomoda?

-Claro, mãe! Não me venha falar de amores por agora!

-Hey! Foi você que falou de amores! Minha filha, já fui jovem. A Terra era diferente, mas as pessoas eram as mesmas. Não há nada mais perigoso que um garoto charmoso.

-Tá bom, oráculo! Vou tomar um banho antes que acabe o horário.

Ela recebe uma mensagem em seu clocker. Era ele. Sempre tão humano. Sempre tão romântico. Talvez seja o último deles.

Não precisa tanta vaidade 
Esquece a maquiagem
Já tô no elevador
Antes de você se perfumar
Sinto seu cheiro do corredor...
Meus olhos só querem te ver
do jeito que você tá!” 

Essas palavras recordam uma música sem melodia, de quando o verde tomava conta dos parques. Ele envia mais uma mensagem.
Me encontra no B-J13 agora. Tô te esperando. Te amo.”
Ao chegar no local referido, encontra uma rosa vermelha no banco. Sob a rosa, o clocker do seu amado, que projetara a frase “Volta logo pra casa que eu tô com fome!”. Ela sorri e pensa o quão bobo ele consegue ser e o quão apaixonada ele ainda a deixa, mesmo depois de 3 filhos. O leitor óptico reconhece a íris dela e a porta de sua casa se abre. Sobre a mesa da cozinha, o presente mais inesperado: o último exemplar terrestre do Guia do Mochileiro das Galáxias.
-Deus do céu! De onde você tirou isso?

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Fricassê


-Têm pizza de strogonoff, calabresa,  lombo, fricassê e à portuguesa. - Diz a senhora da lancheria da esquina.

Fricassê. O que poderia ser esse tal de fricassê. De onde ela vem, nunca ouviu falar sobre isso. Não vê outra maneira menos cabulosa de descobrir a não ser pedir.

-Me vê uma fricassê então!

A ajudante coloca a fatia da pizza no microondas enquanto ela pagava sua solicitação.

-Só a pizza?

-Um copo de guaraná e um doce. Deixa ver qual... - ela olha para a parte dos doces e encontra na fileira de baixo, quase escondido, algumas unidades de Kit-Kat. - Ah! Vocês têm Kit-Kat! Me dá um também, por favor!

Enquanto isso estava ele fazendo seu pedido à ajudante. Ela não havia reparado sua presença. Ao virar-se para sentar em alguma mesa disponível, para comer seu lanche, percebe a presença dele. Sorri.

-Você por aqui?

Ele sorri o sorriso de sempre quando o fazem perguntas óbvias. Logo ele senta à mesa dela para fartar-se de seu pedido. Uma fatia de pizza de strogonoff e um copo de suco energético de laranja.

Ela olha para seu prato e pensa "strogonoff de frango!". Por que não avisaram antes.

-Ele não precisava ter batido tanto em você.

-Oras, diante do que ele viu... Até explicar que elefante não bota ovo! Você sabe como é. Você não faria diferente. - diz ele.

-Desde quando eu bato em alguém? Eu viraria as costa e iria embora! Bom, no fim, reverti a situação. Expliquei que você estava me ajudando pois me engasguei com minha própria saliva. Ele tava vendo minha situação deplorável. Falei o quão escroto ele foi e que devia no mínimo um pedido de desculpas a você. E ainda pedi um tempo a ele.

-Tempo não existe!

-Eu sei. Espero que ele também saiba.

Ela termina a pizza e pega o Kit-Kat.

-Se eu não precisasse tanto de uma dose de doce neste momento, te daria um pedaço.

Ele lança seu olhar desejoso pelo chocolate e diz:

-Precisa não. - Sorri e continua a comer o que restara em seu prato.
O dito doce possui quatro pedaços compridos de wafer recheado, unidos por uma espessa camada de chocolate ao leite, que derrete à temperatura da boca. Ela come dois e deixa os outros dentro da embalagem.

-Pra você. - diz ela.

-Não. Você precisa mais do que eu.

-Se você não comer, vou deixar aí.

A garota diz isso e sai. Fica a esperá-lo no lado de fora. Quando vê ele a sair do local, dá um largo sorrir.

-Eu sabia que você queria!

-Também, você abandonou na mesa... 

Umas senhoras não magras tomam conta da calçada.

-Não basta elas serem gordas. Não! Elas tem que andar uma do lado da outra, trancando todo o trânsito.

-Elas são nossas chefes. - diz ele.

-Nada contra elas serem gordas. Nada contra serem nossas chefes. O único problema é trancar a rua. Ainda mais por ocuparem um cargo onde há planejamento e gerenciamento de pessoas. Não conseguem nem gerenciar suas bundas gordas para permitir o fluxo normal da rua, vão conseguir gerenciar uma equipe? Por isso que essa empresa é uma piada!

-Que acha de atravessar a rua?

-Preciso é de um novo emprego! Se não tiverem descoberto o gato na internet que o Gil fez pra gente, começo a procurar ainda hoje...

-E eu preciso de um celular novo. Pensei no Galaxy Pocket.

-Pequeno, mas um bom custo benefício.

-Hoje, às dez, no clichê?

-Você leu! Tá... Sabe, não gostei muito dessa de Fricassê.

-Pois é. Você não me perguntou. Strogonoff é muito melhor.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Não lave as mãos


"Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo?
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar
Bom dia!
Sol, girassol, verde, vento solar
Você ainda quer dançar comigo?
Se eu morrer não chore não
É só a lua
É seu vestido cor de maravilha nua
Ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem?
Ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor do seu vestido...
Vento solar e estrelas do mar [...]"

Solar. Um belo dia de sol pós dias nublados de grande calor atípico para estação vigente. Ele por distante. Ela por aí. Não foram os mais breves sorrisos que flagraram suas canções. Seja o antes do dormir, ou por próximo do acordar. Faz-se por ali, entre pensamentos, livros, dvd's piratas e estantes. Cada instante. Curtir e desfazer. Ninguém sabe, além dela e dele, mas ali permanece a notificação, onde nada há. E se simplesmente ela não voltar? E se ele acordar, como quando se tem um sonho muito bom que se queira voltar a dormir para poder saber o final...

 Depois do positivo para seu querer materno, a vida não foi por simples como mostra a foto que ele permanece a admirar, em cima da mesa de sua sala, com um sorriso de canto de boca dela. Sorriso dela, sem maquiagens odontológicas, sem plásticas faciais, com os primeiros sinais de tempo já visíveis. Outro dia ela houvera reclamado a diferença de viçosidade de sua pele. Ele conseguira ver apenas a garota de sempre, com a mesma pinta discreta no rosto, com as mesmas marcas de expressão provocadas pelo riso. Por um ano ou mais, ficara ela a viver sozinha, na cidade de Salvador. 

-Volto pro pampa semana que vem! - diz ela, animada, por telefone.

-Isso é um convite pro Uruguai ou você está dizendo que vai vir aqui pra Porto?

-Isso é um arruma logo um espaço pra mim na tua casa, porque vou morar contigo!

-Essa também vai pro teu livro de piadas do final do ano?

-Pelas minhas contas já são 13 livros de piadas do final do ano! Okay, não é piada. Consegui a transferência mais rápido que pensei. Morreu um velho em Porto Alegre. Vou substituí-lo. Agora crê?

-Sim. - Diz ele, em tom não muito receptivo.

-Esperava mais ânimo de você. Lembra de ter sempre um sim pra mim?

-Lembro. Te disse um sim. Não te prometi um sim feliz. Te prometi um sim. Como faremos?

Eles não se conversavam por meses. Trocavam pequenas frases nas redes sociais, um bom dia ou boa noite. Mas nada de muito pessoal. Houvera ele nesse tempo de solidão, envolvido-se com uma estagiária do jornal. "Belas pernas!" foi o que ele pensou quando viu a estagiária pela primeira vez. Bianca era seu nome. O jeito ainda sedutor dele aproximava-se da diagramadora. Bianca transpirava sensualidade. Do jeito que arrumava seu cabelo quando caia sobre os olhos até quando juntava o lápis que procurara o solo. Em alguma hipnose que Bianca provocara nele, ele cedeu. Suscetível a seus longos cabelos dourados como o girassol. Há uma semana Bianca houvera alugado seu apartamento para ir morar no apartamento dele, junto dele. Estavam como em lua de mel. Não houvera casamento, afinal, não era de Bianca que ele era noivo.

-Acho que ficamos um pouco distantes nesses meses. Tá sendo muito corrido tudo aqui pra mim. Dois semestres que voaram. Gente com sotaque estranho. Não são salvadorenses, ainda não me adaptei com o tal do soteropolitano  - ela suspira - Bom, como vão suas coisas? Como vai você?

-É, sempre te contei tudo... Pegaram o Amaral conversando com passarinhos e outras coisas mais malucas... enfim, me colocaram no lugar dele por tempo indeterminado.
-Se é só isso, tudo bem. Eu entendo que é uma pressão maior, ainda mais que teu livro tá na finaleira.

-Não. Não é só isso. Tem uma garota... Bianca - ela o interrompe.

-Nome de travesti! Haha... Não precisa nem continuar. Nunca quis tua fidelidade. Cachorros são fiéis. Humanos são felizes. 

-Oras! Por que diabos você sempre me interrompe?

-Desculpa...

-Ela tá morando aqui. Não posso colocá-la na rua.

-Hum... - ela respira de forma profunda - Eu pensei que tínhamos... Esquece. Eu sempre fui boba. Semana que vem te ligo.

-É só isso que você vai me dizer?

A vontade dela era de se teletransportar pra frente dele e dar um murro bem dado na cara daquele cafajeste. A fama dele nunca foi de santo. Nem a dela. Bom, provavelmente eles já foram cretinos com muita gente. Um vulcão prestes a entrar em erupção foi o que ela conteve em suas breves palavras.

-Por hoje, pode ser. Beijo, meu bem. - ela desliga.

Ele não disse que descumpriria seu pedido. Ele não negou um filho, nem um lar, nem os metais que ele houvera dado dentro daquela caixa preta que fazem mulheres chorar. Ele não negou o crescer da barriga, nem o envelhecer das faces. Ele não negou ou desmentiu os rios de poesias que foram a ela delegados. Ele saiu rumo a cidade baixa. Os tempos mudaram e não eram necessários festas open-bar para ele poder encher a cara. Andando por mais um pouco, catou uma roda de pagode. Não que ele gostasse de pagode, pelo contrário. Mas o que lá se encontrava era um pouco dela. Da alegria que um dia eles roubavam um do outro, um para o outro, por uma cama, por uma cobertura azul de céu, por uma ladeira qualquer, por uma sintonia em uma rádio aleatória de segundo plano. Bianca ligou para ele.

-Oi, meu liiiindo!

-Olá. - diz ele.

-Por que não chegou em casa ainda, meu gostosinho? Comprei uma lingerie nova que eu sei que...

-Vou chegar tarde, se eu chegar.

-Então eu já vou dormir. Beijo, meu Cacarico.

No início ele gostava desses apelidos que Bianca o dava. Mas uma semana acordando, tomando café, almoçando, trabalhando e indo dormir com essa multidão de coisas bregas, ele já estava estupefato. O celular de Bianca vibra. Ela lê, coloca algumas coisas dentro de uma bolsa e sai.

Em Salvador, depois do balde de água fria, ela não sabe o que pensar. Resolve apenas não pensar. Compra uma vodca não barata, uma lata de leite condensado e alguns Tang de pêssego. Baixa umas músicas da Vera Loca, faz uma batida alcoólica, tira da bolsa um Pocket da editora L&M, da Aghatha Christie, que havia comprado com o ticket alimentação e lê umas vinte páginas. Para quem ela estava tentando se mostrar forte? Ela não sabe. Ela não precisa. E chora. Chora pelo quão longe ela está de sua cidade. Chora pela quebra de planos. Chora pela cor dos olhos dele que eram tudo, menos da cor dos dela. Chora pelas espinhas das costas dele. Tira do dedo a aliança que ele houvera dado a ela e joga pela janela do quarto andar. Ela escuta:

-Mãe! Olha o que eu achei!

-Alguém deve ter perdido. Leva pra brincar, filha.

Ela abre a porta da casa, vai até a escada, pensa em ir até a rua para achar essa criança e pedir a aliança de volta. Ela não o faz. Volta para seu sofá, sua vodca e sua Aghatha. Desiste da Aghatha. Ela já não conseguira entender os personagens, nem seus nomes nada brasileiros, nem os assassinatos. Promete amanhã começar a ler desde o início de novo. As passagens já estavam compradas pela Azul. Chegaria segunda-feira de manhã. Hoje já é sábado. Nada de interessante nas redes sociais além das coisas de sábado, gente anunciando para o ex que está feliz sem ele, gente anunciando que vai tomar whisky para substituir a água, gente lamentando a solidão, gente declarando amor a própria cama. Patéticos, ela pensa. Ri, pois mais patética é ela. Tem a grande idéia de colocar todas suas roupas em cima da cama, montar looks de festa e se fotografar para postar e ver se alguém ainda curte sua maquiagem. Assim também já classifica as roupas que deverá levar para o sul e as que doará por lá mesmo, afinal, ninguém merece pagar valores a mais na hora do embarque. O vestidinho vermelho foi o campeão da noite. Maquiagem não muito carregada nos olhos, batom vermelho, salto e carteira pretos com detalhes em dourado, relógio dourado em um dos pulsos, no outro muitas pulseiras, brinco preto perolado gigante e a correntinha que ganhou de sua mãe que nunca tira ou substitui. Os móveis ela já havia negociado com o dono de seu apartamento. Não havia mais nada para fazer naquela noite. A vodca a olha. Ela olha para a vodca. O som vai para Kid Abelha. Ela resolve escrever, como por muito já fizera. Manda-lhe um e-mail.

Ele voltando completamente torto para casa, reclamando por não ter dinheiro para o táxi, reclamando por não lembrar de suas senhas do banco. Ele poderia pedir para alguém levá-lo, poderia dar a chave para um desconhecido dirigir até sua casa, poderia esperar o porre passar. Mas não. Ele foi dirigindo. Alguém mais embriagado do que ele invade a contra mão. Para desviar, acaba por bater em um poste. Ele não se lembra de nada até acordar as seis da tarde no HPS. Algumas fraturas.  Ele nunca foi muito bom com números, o único número que sabe de cor é o do jornal e da NET. Ele dá o número do jornal para uma enfermeira. Pede para avisar a Bianca que ele está no hospital e assim que der ele liga. Como ele tinha plano de saúde, o transferiram para outro hospital, onde ficou em um quarto só para ele. Ele ficaria no hospital por mais até amanhã no mínimo enquanto faziam exames mais detalhados. Segunda-feira entregam um buquê de rosas brancas no quarto dele.

O vôo chega a Porto Alegre sem muitos atrasos. Os dias estavam quentes mesmo sendo inverno, o que não ocasionava neblina nem maiores complicações. Ela deixa suas malas em um guarda-volumes do aeroporto. Vai direto ao jornal, já que o telefone dele dava fora de área ou desligado. Lá um rapazote dá a notícia do acidente. Ela diz que é prima dele e o garoto acaba por dar o endereço do hospital e o quarto em que ele está. Quando ela chega no hospital ele está fazendo exames e o horário de visita é do meio-dia até o meio-dia e meia. Ela resolve aguardar o horário para vê-lo. O sorrir toma conta do quarto. Ela diz:

-Você não podia esperar um pouco pra já começar a me dar preocupações?

Ela dá uma rosa vermelha para ele e dá um beijo na testa do doente.

-Pensei que você chegaria por quarta ou quinta.

-É que eu queria muito te ver no hospital.

Ambos riem. Ela olha para o buquê em cima do balcão lateral, onde guardam travesseiros, lençóis e cobertores.

-A Bibi é mais gentil que eu pelo visto. Mas ela errou na cor.

-Não sei quem enviou. - diz ele.

-Tem um cartão. Vou ler para você. "Desculpe-me, Cacarico. Não sei se você já sabe, mas pedi demissão lá do jornal pois me contrataram como efetiva da ZH. Vou morar com um amigo lá perto. Já tirei minhas coisas  da sua casa. Melhoras. Bianca."

-Como as coisas são rápidas! Saio para beber num dia e quando volto os dinossauros não existem mais!

-Pois a travesti te deu um bolo! Bom, agora que estou aqui e já terminei com seu casamento, destruí seu carro, você perdeu 2 dedos do pé esquerdo e está moribundo em uma cama de hospital, posso te abandonar, ir para a França lançar um livro e ficar rica, linda e glamourosa. E meu plano diabólico estará concluído! Muhahaha!!!

-Ou você pode esperar eu sair daqui as três horas da tarde, e vamos direto para meu apartamento, temos nossos 7 filhos, escrevemos um livro, vamos pra França, abrimos um residencial geriátrico e ficamos ricos, lindos, não tão glamourosos e felizes. Que acha?

-Pode ser. Pode ser muito bom!

-Você disse que perdi 2 dedos do pé esquerdo?

-Disse. Mas não era verdade.

-Ufa! - diz ele.

-Você perdeu só um dedo. O outro só não vai mais se mexer!

Chegando na casa dele, percebe-se que Bianca levou algo além das coisas dela. Levou o sofá, a televisão, a mesa de centro, a geladeira e o Mingau. O Mingau era o gato dele.

-Te enviei um e-mail. Se a garota não roubou a sua internet, dá uma olhada depois. Ah! Antes de escrever o e-mail, joguei fora a aliança... mas caixinha eu trouxe.

Ela vai ao banheiro. Ele pega o celular dela e lê o e-mail, que dizia:

"Por algumas vezes passei por você na rua, e não te vi. Uma vez comprei um ingresso de um cara que juro, só podia ser você, mas você não me viu. Por quantas vezes você esteve na minha mão e eu te deixei pelo vão dos meus dedos. Por quantos verões, por quantos carnavais desejei o seu riso solto, sem sequer saber da sua existência. Lembro quando te encontrei na biblioteca da escola trocando seu recreio por um livro, era uma projeção de você. Eu te projeto até hoje. Lembro quando eu no lado direito da rua direita via você no lado esquerdo ajudando um cego a atravessar a rua. Você sempre tão esquerdo. De partidos à teorias. De canções às suas mulheres. Ah! Por quantas eu esperei você se livrar. Por quantas te mostrei que eram boas e te disse para prosseguir. Eu só quero que sejamos felizes. Tantas melhores do que eu. Eu abdicaria de você para o seu bem. Só que hoje não é isso. Sou o seu bem, meu bem. E mesmo que por um telefonema eu quisesse te detonar com uma bomba nuclear, é só você que tem esse dom de me acordar. Amar é bem melhor que ver o amor passar. Se algum dia me disse que sou solar, você é o meu vento. Tudo bem se não der certo, meu bem, nós chegamos tão perto. Não desisti de você."

Ela sai do banheiro.

-Em nenhum momento eu preferi alguma outra. Se fosse preciso mil anos, eu te esperaria, fosse só ou acompanhado. Sempre te esperei.

Ele puxa ela para dar um beijo. Ele está em uma cadeira de rodas pois quebrou as duas pernas. Ela sorri.

-Se eu pudesse te dava um abraço apertado.

-Mas você pode. Quebrei as pernas, não os braços.

-Não é por isso. É que a Bibi levou seu papel higiênico, seu sabonete e a torneira do banheiro.

-Oras, só não me levou as cuecas! E suas mãos... dane-se! Quero seu abraço sem lavar as mãos mesmo, mas vá com calma se não tu mata o véio!


Passagem da música Um Girassol da Cor do seu Cabelo, de Ira!

terça-feira, 2 de julho de 2013

Vamos fugir



- Vamos fugir! - diz ela.
sobrancelha esquerda dele abre uma curva, a deixar nítida sua incerteza.
- Pra onde haja um tobogã, onde a gente escorregue?
- Com esse calor seria ótimo. Mas não. Pensei na gente fugir como um casal adolescente que foge da casa dos pais e volta arrependido logo depois que acaba a grana da mesada. Ou tipo aqueles casais que aparecem nas páginas policiais, só que sem estarmos mortos no final.
- Você diz fugir com uma barraca, pra um mato qualquer? Eu tenho o jornal e você tem o seu mestrado pela frente.
- E é por isso que preciso mudar de ares. Pela primeira vez não precisaremos inventar algo para eu poder te tirar da sua casa. Você está só. Eu estou só. Pede férias lá no jornal. Enchemos duas mochilas, gastamos nossos cartões de crédito. Eu troco os meus pontos na Panvel. Você troca as sua milhas aéreas.
- Eu não tenho milhas aéreas!
- Não importa. A gente coloca seu celular e aquele par de Havaianas 44 que você ganhou de amigo secreto há 2 anos para vender no Mercado Livre. Damos um jeito de ir. Sempre damos o nosso jeito.
- Seus argumentos são ótimos... Tá bom então!
- Então já manda o e-mail pro Amaral pedindo tuas férias.
- Enquanto você tá indo, eu já tô vindo. Eu tava vendo umas ofertas num site de promoções de pacotes em hotéis. Comprando agora pra depois da virada, tem uns preços muito bons. Pedi 15 dias pro Amaral. E... - diz ele, com uma cara de decepção.
- E?
- E o que é que eu não consigo, né. Os últimos 15 dias de janeiro são nossos!
Ele faz cócegas por perto das costelas dela. O pensamento dela na hora já foi de comprar aquelas mochilas grandes de escoteiro e começar a encher de imediato.
- Ah! E deixa pra comprar as mochilas e os trambucos, que eu sei que você vai arrumar, depois do fim do ano. Ainda temos que sobreviver ao natal.
Ele encara a face daquela mulher. Mulher dele. Mais dele que de todos os outros. Os outros já por muito se foram. Mesmo ela totalmente livre, mesmo sem metais pendurados aos dedos, mesmo sem presentes caros, mesmo sem promessas de um futuro seguro, mesmo assim, ela volta a procurá-lo, volta a sentí-lo, volta nem que seja para convidá-lo a ir até a padaria depois do trabalho para juntos fazer um café da tarde com torradas e café com leite. Tão seguro da volta dela quanto do gato à casa dos donos. Seguro dele ficar assim, aos pedaços por ela, a impregnar os pensamentos dela, ele sorri. Pelo sorriso dele, ela também sorri.
- Já decidiu o que vai dar para seu filho de natal? - diz ela.
- Olha... Pensei numa esteira! Ele tá um pouco... você sabe, gordinho.
- O garoto tem 6 anos. Prefere um videogame, seu doido!
- Boa! Um videogame que faça ele se mexer! Caro. Não vamos mais viajar.
- Assim também não. Sejamos viáveis para ambos lados.
- Vou dar uma bola do Grêmio, a minha coleção de gibis e um gibi novo, para ele começar a coleção dele. E então vou falar para ele que este é um importante ritual familiar, pois em todo natal em que a soma dos números dê 3, e houver uma criança na família com o dobro da idade da soma do ano, o pai então dará para o filho a sua própria coleção de gibis. E que no próximo ano, só será desvendado o mistério do ritual familiar, caso ele atinja o índice de massa corpórea de uma criança normal pra idade dele.
- É uma boa ideia. Acho que ele não vai entender muito bem todo esse lance, porque nem eu entendi direito, mas no fim, a bola vai resolver o sedentarismo dele. - ela beija-o. - Bom, tenho que ir pra casa pra dar comida pro Inácio.
- Teu peixe beta não vai morrer por um dia sem comida. Comprei um vinho ótimo pra gente. Fica aqui hoje.
- O que você me pede sorrindo que eu não faço chorando? Ou seria o contrário?

[...]