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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Teorema de um poeta

Você não me vê. Não sabe quais são as minhas músicas favoritas. Não sabe o tom da minha voz nem a cor do meu olho. Não fala minhas gírias. Não gosta das roupas que eu uso. Você não me conhece... Ainda. Mas você vai ser a minha vida.

domingo, 27 de outubro de 2013

Rosa, Livros e Asteroides - II



-Ah! Algumas coisas perdem o encanto quando reveladas... Isso é apenas você por mais algumas páginas, poucas dela. - diz ele.

-As últimas a serem tocadas fora de Washington... Você não roubou esse livro, né? Me diga que não! - a cara dele é de riso, dando o ar da incerteza que tanto a incomoda. - Essa sua cara. Aposto que esse livro dever ser do tempo da Unisinos. Agradeça o cometa por você não estar falido em multas por não entregar seus livros!

-Eu só pegava emprestado. E depois vendia. Simples! E foi asteroide, mulher. - uma tentativa falha de repreensão só sorrir surge. Ela amava-o por ser esse cara confuso e descomplicado, ainda não compreendendo como isso pudera ser possível.

-Tá bom! Você disse estar com fome. Não fiz nada de especial. Tem proteína na geladeira.
Ele aponta com o polegar direito para a mesa da cozinha. Há uma comida que por muito ninguém via.

-Uma pizza! - exclama ela. - De fricassé! - após a euforia de ver uma comida diferente de proteína, vem a dúvida. - Frango de verdade?

-Meu amor, você é especial e eu te amo por isso, porém não. Não reinventamos as galinhas. Não é frango. Mas é como se fosse. Acredite. Seja positiva e sinta o frango! Sinta o creme de leite... Veja como a vida tem infinitas possibilidades!

-Você é um completo idiota! - ela dá um beijo nele. Coloca os pratos e os talheres sobre a mesa, de maneira emocionada. Tenta desviar sua atenção de sobre a pizza. - Sofia está com problemas no trabalho. Tem um novato que não aceita o que ela diz.

-Mulher, temos 3 filhos e até hoje você não aceita o que eu digo. Ele deve estar querendo apenas chamar a atenção. Se ele não fosse bom o suficiente, não estaria na equipe de Sofia.

A mesa fica silenciosa por alguns instantes, enquanto ambos degustam a tal pizza de frango que não é de frango.

-Isso é sensacional! Posso comer isso pro resto da vida! - diz ela.

-Não. Isso não seria bom. Porém, você tinha razão. Dei um pulinho em Washington hoje de manhã depois de entregar os cilindros. Esse lance de cilindros já está, como diria seu pai, um pouco démodé. E o Leandro me abandonou. Quem seria utilizável o suficiente para passar o dia entregando cilindros pelo valor que pagamos pra ele? Então o Andrezinho me manda clocker nada imaginável.

-Quem diabos é Andrezinho?

-Você falou com ele uma única vez e o enganou. Lembra quando sofri o acidente que perdi os dedos do pé? - com a boca mais que cheia, ela balança a cabeça de forma afirmativa. - Pois você passou no jornal e enrolou um estagiário que te disse em qual hospital eu estava, informação esta, confidencial para você na época.

-Ah, sim... Um com cara de incompetente! Não lembro das feições do rosto dele. Lembro de espinhas, óculos, suspensório, desajeitado, em fim, um fracassado. O que tem esse cara? E por que vocês mantém contato sem você nunca ter me dito?

-Hoje, digamos que ele tenha mudado um pouquinho. Sem espinhas, sem óculos, sem suspensório, sem quebrar nada. Pois então, astrofísico, engenheiro químico e de materiais brilhante, reconhecido nas altas alas de todas as fortalezas. Talvez Sofia até o conheça. Ele fica na fortaleza de Washington pesquisando coisas inovadoras e me achou.

-Não venha me dizer que você é a inovação do mundo?

-Talvez.

-Uma inovação modesta, também! Senhor Inovação, só me explica de onde você tirou essa pizza?

-Oras! Você é linda mesmo falando de boca cheia. Já te disse isso antes? Bom, foi com o Andrezinho! Ele me achou por coincidência de sei lá o que, lembrou que eu era um dos poucos, senão o único, que não o chamava de incompetente e que sempre fui aberto a loucuras. Mandou um clocker perguntando como eu estava vivo e coisas de quem se encontra depois das fortalezas. Ele veio aqui e me trouxe uma fatia de pizza a moda da casa dele. Foi a melhor comida dos últimos anos!

-Qualquer coisa é melhor que essa proteína. Nosso café da manhã é proteína gelada, o almoço proteína quente e de janta, ensopado de proteína. Pizza é o paraíso. Quando se está no inferno, qualquer coisa menos pior já é chamado de céu.

-Certo! Com as grandes mentes vivas pensando em como manter a vida humana viva, esqueceram das futilidade. Tenho saudade do Angus do Mc, da batata, do xis do Moita, de estrogonofe.

-Falando dessas comidas de pobre dos anos dois mil, nem parece que foi um grande cheff, especializado na França.

-E onde está a França agora? Desapareceu com resto do mundo. Vamos combinar, sou humano, bicho, preciso de carne!

-Percebi isso quando você ficou comigo! - Ambos riem. Ele retoma o pensamento.

-Ó, querida Maria, você percebe o quanto essa invenção química do Andrezinho pode ser maravilhosa? Podemos ser os novos donos do fast food mundial!

-Levando em consideração que o mundo se resume a bem menos do que um centésimo do que era...

-Levando em consideração que podemos dominar o mercado do que todos esqueceram. Não é só comida. Maquiagens, perfumes. O André se tornou um gênio em fazer o que já existiu. Só que ele ainda não tem muito o dom da interlocução. Já a gente. Sabe como é.

-Você disse maquiagem?

-Sim!

-Eu já disse que te amo?

-Gosto de ouvir você falar isso. Mas fale bem alto desta vez!

A possibilidade de fazer o mundo que restara um pouco mais humano, um pouco mais como já foi, um pouco mais feminino, talvez menos frio, fez ela transbordar suas maluquices, suas lembranças. As fortalezas tinham tudo que precisavam. Ração humana, trajes padrão, oxigênio limpo, ensino, tudo racionado, tudo racional. E as futilidades da vida na Terra, onde foram? Comer besteira, ir à praia, ficar bonita para alguém. As fortalezas protegiam os que sobreviveram das inconstâncias da Terra. Mas ao mesmo tempo, as fortalezas, preenchidas por redes tecnológicas, aprisionavam as pessoas em uma sociedade morna e falida de sentimentos. O capitalismo não morrera, mas está morno tanto quanto o resto, pelo bem ou não. Ele aposta em fazer algo de melhor para os que estão por lá. Ela aposta nele. Sempre apostou.

-Eu te amo. Sempre amei. Te amo como nunca pensei que fosse durar, mas durou, dura. Aceitei os termos de compromisso sem ler as mil e duzentas páginas, e não me arrependo, mesmo você vindo com alguns defeitos de fábrica e sem manual de instruções!

domingo, 20 de outubro de 2013

Quando os pássaros caem

- Tudo bem – ela disse – pode entregar seu rico amor só pra quem você achar merecedora, mas se desse chance para alguém seria mais fácil. Não acha?
Ele riu.
- De novo isso? – suspirou – Você me deu sua opinião e uma sugestão. Eu a anotei e guardei carinhosamente. Agora cabe a eu decidir quando, como e se vou usá-la. – cutucou o pássaro mais próximo com a ponta do pé – Elas parecem bastante saldáveis. Já imagina por que isso aconteceu?
- Não – ela recolheu o animal e o depositou com cuidado dentro da caixa que ele carregava – E você?
- Ira divina sobre esses imundos ratos com asas? – sugeriu. Encolheu os ombros – Você é a especialista aqui, eu sou só o cara da caixa – balançou a caixa para dar ênfase.
                - Eu não sou formada. Quando seu professor morre e ninguém parece muito preocupado em mandar substituí-lo fica difícil continuar aprendendo – percorreu a praça com os olhos. Haviam muitos corpos da imensa variedade de pássaros que se pode encontrar em uma cidade – Se eu tivesse experiência em dissecar talvez fosse mais fácil.
                - Ah, mas você tem acesso a muitos livros com gravuras belíssimas...
                Ela fez uma careta.
                - Sempre fui mais chegada a um bom romance – colocou outra pomba na caixa.
                - Pegue alguns pardais também. São mais fofinhos.
                Recolheram mais alguns espécimes e foram embora. Ela havia dito que viria de bicicleta, se não precisasse carregar peso, portanto ele a servira de motorista também.
                - Vou passar no laboratório mais tarde – ele disse quando se despediram – Pra ver se já descobriu alguma coisa.
                - Ótimo – torceu a boca, algo entre uma careta e um sorriso – Isso vai me motivar a abri-los e procurar alguma coisa.
                Quando se viram novamente, algumas horas depois, ela sorria. Pelo jeito como manejava os pássaros, havia superado o nojo inicial. Estavam dispostos em cima de uma bancada, ele agradeceu mentalmente por ela ter alcançado a ele um que não havia aberto. Ele apanhou o animal e ergueu o sobrolho.
                - Não parece pesado? – ela perguntou.
                - Hm – levou a outra mão à testa e franziu o cenho, pensativo – Deixe-me resgatar à memória a ultima vez que segurei uma pomba...
                Ela revirou os olhos. Pegou a pomba e a colocou sobre uma balança na mesa.
                - Ela pesa um quilo e meio – martelou as palavras com o indicador – Mais que o triplo do peso de uma pomba normal – fez um gesto amplo para os outros pássaros – Aves são feitas para serem leves. As que voam, pelo menos. Esses morreram de exaustão.
                - Elas não parecem muito maiores do que as normais – pensou um pouco – Estão mais densos...
                - Anda visitando a academia? – disse ela sorrindo.
                Ele ficou confuso por um segundo. Olhou seu antebraço. Tinha desenvolvido músculos discretos, mas que dificilmente poderiam ser atribuídos à digitação e cliques de mouse. Entendeu.
                - Gastei uma fortuna em cereais – viu que ela não ria - Acha que foi o gás? – olhou para ela de cenho franzido – Disseram que não é tóxico... – olhou pela janela do laboratório. Estavam no quarto andar com uma vista relativamente boa dos prédios da cidade – Milhares morreram e milhares continuam voando – olhou para ela – Definitivamente não é letal.
                - Diga isso pra eles – disse ela sorrindo zombeteiramente e apontou novamente para as aves – Humanos e aves são diferentes. Eles não conseguiram se adaptar. Ah, sim – lembrou – São todos machos.
                Ele assentiu devagar.
                - Você descobriu algo importante aqui – disse – melhor anunciar como sua descoberta. Talvez até ganhe o premio Nobel.
                - Hm – ela concordou. Os dedos tamborilando no tampo da mesa, a outra mão escorada no quadril. Seu cabelo preso para trás num coque improvisado deixando mechas do cabelo liso pendendo dos lados da franja. Os olhos de um azul escuro fitando o pequeno ser emplumado mais próximo, olhando sem ver. Ele quase podia ouvir as engrenagens de seu cérebro trabalhando, o pensamento muito longe dali.

                Dizer que ela é linda é uma maneira muito pobre de descrevê-la, ele se pegou pensando.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Rosa? Comigo não.

Ele se espreguiçou.
- O amor não existe realmente.
Ela sorriu, guardando o celular.
- Isso é um veredito?
- Talvez. - pensou um pouco - Tem provas do contrário?
- Talvez. - tamborilou os dedos no joelho - Por que essa desilusão amorosa do nada?
Ele soltou um suspiro cansado.
- Se existe amor, onde ele está? Estou procurando no lugar errado? Nas pessoas erradas? Ainda não o encontrei...
Ao longo dos anos muitos tentaram definir o amor, mas algum deles havia pedido a opinião feminina? Ele não lembrava, mas não custava tentar. Olhou para ela, como que esperando uma resposta definitiva para suas duvidas.
- Como é que eu vou saber? O amor é natural. Não se vê, não se pega. Se sente e se vive. Acho que sua definição de amor está errada.
Não era aquilo que ele queria.
- Isso que você diz... Isso não é amor - fitou as janelas do prédio à frente do banco onde estavam sentados, buscando inspiração - O amor está onde a alma toca o corpo, por assim dizer. Não onde os corpos se tocam.
Ela riu.
- Um ateu falando de almas... Acha que eu não sei que existe uma diferença entre pênis e coração? - riu novamente – Além do mais, o amor de uma pessoa não é um saco de batatas, você pode dividí-lo com outras pessoas sem medo que se esvazie - ergueu um dedo - O amor não é único como você disse. Melhor, ele é único, mas varia de uma pessoa a outra. Não se ama mais ou menos alguém em relação a outra, mas se ama cada pessoa de uma forma diferente e única - concluiu sorrindo, parecendo, para ele, com uma criança que acaba de ditar e resolver uma conta difícil de cabeça.
Pensando nisso ele também sorriu.
- Tudo bem... Então você acredita no Roberto Carlos, não?
- Quê? - respondeu desconcertada.
Ele riu.
- Eu o odeio com toda minha existência, mas conheço muitas musicas. Já prestou atenção nas letras? - encarou-a com os olhos cerrados - Acredita em toda aquela baboseira? Ele parece um marinheiro, compondo com seu ultimo relacionamento pra seduzir outra garota no próximo porto.
- Você nunca se apaixonou?
Aquilo o pegou desprevenido. O que poderia dizer?
- Sim - pensou um momento - Mas estamos falando de amor, não de paixão. Quando se apaixona, leva-se em conta a imagem que se criou da pessoa, que dificilmente não é perfeita. Ouvi dizer que o amor vem do conhecer e amar até mesmo os defeitos.
- O amor vem depois da paixão. É isso que você queria, não é? - disse ela, levantando e parando em frente a ele - É aí que fica o amor. Deixe-se conduzir pela sua próxima paixão e ela te levará até a porta do amor, talvez até te apresente a ele.
Ela puxou-o do banco e o deixou de pé.
- Já estávamos atrasados antes de você começar a divagar seus choramingos. - apontou para a entrada do prédio - Agora, tchau.
Ele estava quase na porta quando olhou para trás, vendo-a ir embora na direção oposta. Coçou o queixo, deu um sorriso triste e entrou.