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terça-feira, 12 de julho de 2016

Em brasa


O ônibus empoeirado fazia perceber a importância dos pelos dentro do nariz. Desceu. O vento batia em seu rosto como um ataque de pássaros de gelo enfurecidos, quase a rasgar a pele fina, cor de papelão abandonado. Um queria sanduíche. Outro, queria comer aquela rua inteira numa só mordida saborosa de canções, cervejas e poesia. Talharim. Carbonara e quatro queijos. Ninguém acertou o chute do almoço, pois cardápios devem ser feitos de fome com uma pitada de algum tempero que te convença a mudar de opinião. Não bastasse a cobiça sobre os pratos dos outros quando passava entre as pessoas que almoçavam satisfeitas. Como não cobiçar os prazeres da vida? "Cobice-me!" pensava ela. Não se sabe como o diálogo começara. Foi sobre a câmera ou sobre sua visão que não ajudava sempre que lhe roubavam os óculos. Não eram pássaros naquela árvore, eram os próprios frutos da árvore. Que árvore era aquela? Sabe-se que não era um jacarandá ou um abacateiro. Dos não abacates para uma vontade louca de pular sobre seu colo e lhe afogar em beijos. Vontade de sentir o sexo quente pulsando em sua boca. Permaneceram parados, dominando suas vontades e imaginações. Não se sabe como o fluxo dessas conversas funciona. Talvez sejam eles boas cobaias para testar uma árvore criativa dos diálogos humanos infindáveis. Chatterbots. São máquinas de sentir e tagarelar. O tempo é encurtado pela velocidade das palavras selecionadas e derrubadas de um sobre o outro.
- Outra cerveja? - pergunta o garçom.
- Que horas fecha lá no aeroporto?
- É. Acho melhor irmos. - ela olha para o garçom - Não queremos outra, já estamos indo.
Escolheram passar por dentro do Mercado Público. Cheiros misturados. Imagens misturadas. De sorvete à pele de porco. Deram de encontro com a entrada do metrô.
- Direita ou esquerda?
- Esquerda. Sempre esquerda.
- Não sei por que ainda pergunto.
Bilhetes comprados. Uma exposição de fotografias naqueles corredores subterrâneos e apressados. A esquerda nem sempre é o caminho mais fácil. Enquanto nela tínhamos uma escada com consideráveis degraus, à direita tínhamos a escada rolante. Resistir às tentações da direita: dever cumprido. Os vagões estavam diferentes que antes, agora eram todos interligados de modo que era possível caminhar livremente do primeiro ao último vagão com as mãos no bolso. Resolveram ficar parados, admirando um ao outro ao pé do ouvido. Um suspiro quente envolveu o lóbulo de sua orelha e eriçou todo o lado direito do corpo dela. Num sussurro rouco ele disse:
- O preço do dólar caiu...
Eles riram. Ela estava gostando da brincadeira. Tinham algo excitante em algo nada excitante. O jogo de hálitos febris sobre a derme continua.
- Fala mais sobre isso. - disse ela.
- Casa Branca...
- Casas Bahia... - sussurrou ela no ouvido dele.
Eles se afastaram para enxergar os olhares, sorriram e riram mais uma vez. Interrompidos pela narração da estação aeroporto, desceram.
- Eu não vou entrar nisso aí, não tem nem motorista! - disse ele com alguma ironia referindo-se ao aeromóvel.
Embora o transporte fosse lento, era seguro, eficiente e o principal, gratuito. Chegaram ao aeroporto. Podiam ver o antigo e o novo. Existe uma história que o antigo é o novo e o novo é o antigo reformado, mas nunca entendi isso direito. Nem eles. Dentro, foram comprar os bilhetes para a viagem que tanto esperavam fazer juntos. Planejavam não ter um planejamento muito planejado, apenas o suficiente para não morrer de fome e frio. O resto é sorte ou acaso, como sempre. Para tornar as coisas mais importantes ou complicadas, existe um tal de limite diário no débito e até no boleto para pagar no caixa eletrônico. Não importa que você tenha o dinheiro, vive não pode usá-lo. Precisavam de uma agência. Foram até a mais próxima, em Canoas. Portas eletrônicas são as rivais naturais das mochilas em dias de inverno chuvoso. Percebendo a garota mais desajeitada da quadra, o guarda resolveu colaborar. Pediu para mostrar a mochila aberta e a deixou passar. Ela sorriu e agradeceu a piedade. No caixa, mesmo tendo sua digital e senhas, era preciso de um documento original com foto. Nada feito. Nada de bilhetes. Frustrados, foram para o metrô.
- Eu não sei onde enfiei minha identidade! - reclama ela, com alguma tortura. Ela tem uma ideia para parar o martírio. - Já sei! Vamos até a Unisinos? Nunca fui lá.
- Você quer? Dá tempo?
Ela olha o relógio. Eles não tem muito mais tempo. Ela tinha outro compromisso.
- Fazemos a seguinte condição: se o trem que vai para a Unisinos não tiver lugar para sentar, não vamos; se tiver, vamos.
- Ah! Como é bom andar com matemáticos! Eles fazem uma condição e resolvem toda a vida!
- Nem vem! Programação tem mais condições que matemática! Sql também. Também?
- Também.
O vagão estava lotado. Então, voltaram ao Mercado. Eles caminharam até o Majestic por um caminho que ela não costumava fazer. De lá, era possível ver o antigo hotel ao longe, com suas luzes, seu rosa, seus detalhes arquitetônicos. Namoraram aquela fotografia linda, perfeita para um filme de Wes Anderson. Eram amantes das cenas desta cidade. Certamente, amantes das cenas de tantas outras.
Recepcionados por duas estudantes que fizeram questão de se identificar como estudantes da UFRGS, responderam, voluntariamente, uma pesquisa sobre cultura. Mas afinal, o que é cultura? Essa pergunta era deles e não das estudantes. Elas estavam mais preocupadas em saber se os dois compravam ou não elementos culturais. Para surpresa da jovem, responderam que preferiam fazer ou roubar elementos culturais por aí. Pegaram o elevador até o quarto andar para tentar achar uma exposição de arte. Subiram e desceram as escadas tantas vezes que eu perdi as contas de qual andar esses dois foram parar. No andar das artes cênicas havia um salão com as paredes de espelho. A porta principal, de vidro, estava trancada e as luzes estavam acessas. Olharam para o salão com o sentimento de querer explorá-lo, mesmo vendo que pouco havia para ser explorado. Desistiram. Mais a frente estava uma exposição de fotos de pessoas gaúchas com importância nacional, acredito que eram todos atores e atrizes. Eles se separaram perdidos em meio tantos rostos nas paredes. Alguns eram pedaços de jornais com alguma informação sobre a pessoa. Ela lia quando ele a chama para ver o que tinha descoberto. Um corredor que levava até uma porta-balcão do salão dos espelhos. Esta porta estava aberta. Dentro do salão, na parte que não era possível ver da porta de vidro, havia um piano vertical, cadeiras, barras para ballet, um rádio antigo, e uma caixa de som, sendo os dois últimos acorrentados à parede. Ali, com a ausência do vento frio de Porto Alegre, a temperatura estava agradável. Ela abandonou seu casaco sobre o piano e foi tentar colocar o pé sobre as barras. Ele, embora magro e alto, teve bastante dificuldade para imitá-la, isso que ela não teve movimentos graciosos, muito pelo contrário. Abriram o piano e tentaram tocar algumas notas, fazer alguns acordes. Haviam três pedais no piano, os quais não descobriram a função mesmo após vários testes. Nada mais foi tocado além de um do-ré-mi-fá-fá-fá. Enquanto ele expressava sua suposta raiva com as notas mais graves do piano, ela pensava em onde estavam os interruptores para apagar as luzes. Ela procurou ao lado das portas, e nada tinha. Observou para onde levavam os caminhos feitos pelos fios das lâmpadas. Colado na porta a qual usaram para adentrar a sala, estava um aviso solicitando para apagar as luzes após o uso. Ela pensou sobre as possibilidades: i) as pessoas que estavam usando a sala saíram para um intervalo e logo voltariam; ii) as pessoas que usaram a sala se foram e esqueceram ou não acharam onde apagar as luzes. Em ambas as situações, havia uma possibilidade muito grande de os guardas virem apagar as luzes, visto que às dezoito horas a maior parte da Casa de Cultura adormecia. A melhor solução para não serem expulsos dali seria apagar as luzes, como queria fazer antes, só por fazer. Na parede a sua direita havia uma tampa, e atrás da tampa muitos interruptores com fitas crepe e palavras escritas. Ela não entendia o significado de tantos nomes técnicos para a iluminação. Testou todos e conseguiu apagar as luzes do salão, mas teve medo de apagar todo o Majestic por engano. Caminhou até o piano novamente.
- A gente podia morar aqui. Aqui seria o quarto.
- Podia sim. Mas aqui teria de ser a cozinha. O quarto seria ali, bem no meio, de frente para os espelhos e visível a todas as portas.
- Hum... pode ser, pode ser... transaríamos para todos!
- Isso! Essa é uma das nossas artes! Temos que fazer uma exposição do nosso sexo!
Ele se levanta e a beija. Um beijo longo e cheio de línguas. Suas respirações logo ficaram apressadas. Seus corpos ficaram quentes como se uma corrente elétrica estivesse atravessando-os. Se apoiaram ao amontoado de cadeiras empilhadas, de modo que ela ficou entre as pilhas e ele. Pela proximidade dos corpos ela já sentira que seu pau estava duro, mas preferiu não atacá-lo na velocidade de arranque de uma Ferrari. Ela estava se sentindo desejada por aquele homem. Ele estava querendo o que ela estava querendo. Ela queria chupá-lo. Sem ser dita uma palavra ele tratou de deixar claro que gosta de Ferraris. Pegou a mão direita dela e colocou sobre a calça. Agora ela podia medir cada milímetro de seu membro com o toque de sua mão sobre o jeans preto. Enquanto as mãos dela tentavam sentir o movimento daquele homem, as mãos dele se fartavam na bunda dela. Ele a amassava como um padeiro ao pão mais sovado da face da Terra. Ela lembrava de tantas outras vezes que ele lhe chupava e lambia inteira. Lembrava da voracidade que ele comia e lambusava sua bunda. Ele abre a calça jeans. Ela tira o membro dele para fora, lambe sua própria mão e o acaricia, por vezes, oscilando a velocidade. Ela num frenesi de idéias, vontades e movimentos, se pergunta quando ele vai ter coragem de meter gostoso em seu cú. Eles escutam um estalo e espiam pelos espelhos se alguém havia chegado, mas era apenas o assoalho de madeira trabalhando. Querendo ter aquele homem dentro dela de alguma maneira, ela se ajoelha a frente dele e engole seu pau com a mesma fervorosidade de uma beata quando encontra seu Deus. Ela sugava seu membro rígido e se deliciava deste tesão em local proibido. Ela pedia em silêncio que ele gozasse em sua boca. Queria descobrir o sabor máximo de seu sexo, seu delicioso sexo. Em um breve momento de lucidez, eles decidem parar o feito. Ele guarda seus documentos e caminha todo errado até a cadeira do piano. Senta. Ela de pé, se enverga apoiando os cotovelos sobre o piano, deixando o quadril ligeiramente deslocado para a frente.
- Eu queria muito você dentro de mim agora...
Ele se levanta, beija sua nuca e com sua voz rouca de vinte e poucos anos de cigarros diz:
- Hum... eu quero estar dentro de você de todas as formas possíveis...

Mal sabe ele que já está dentro dela da forma mais profunda que alguém pode chegar. No âmago do seu ser-sentir. Na alma.

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

(O meu amor - Chico Buarque)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Corrente do Mal - It Follows




Olá, pessoinhas!
Acho que nunca escrevi nada aqui falando diretamente com vocês, mas quero que saibam que sou mais do que textos enormes e tirinhas sem sentido... Acho... Penso... Rezo...
Queria contar pra vocês de um filme de terror que vi recentemente.
O nome é Corrente do Mal (It Follows, em eslovaco) e se trata daquele tipo de filme de "maldição".
Eu não costumo gostar de filmes de terror, e sempre assisto com companhia pra ficar zoando e tentar evitar o medo, mas esse filme me deixou abismado pela sua qualidade.
Nada dos corriqueiros "jump scares" (coisas saltando na sua cara pra fazer seu orifício piscar), e muito daquela saudável e gostosa tensão psicológica.
E do que se trata?
É um filme de "monstro sobrenatural", no qual é retratada uma certa maldição que é passada através do sexo. A pessoa "infectada" está sendo seguida por uma coisa que assume a forma de diferentes pessoas. Essa coisa não corre, mas caminha na direção da pessoa, e se ela te pegar... Digamos que não é nada bonito.
Como se livrar dela? Passando adiante! Ah, mas tem um detalhe. Se a pessoa morrer pra quem você passou morrer, a coisa vai ir atrás da próxima pessoa na "corrente".
Eu não quero falar muito mais agora para não dar spoiler, mas vou comentar algumas coisas para quem já viu.
Assista essa bela película e clique em "Continuar lendo" para ver minha análise um pouco mais detalhada sobre o filme.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

E viveram felizes para sempre

Pra mim ser feliz para sempre é correr rua.
Ver gente.
Jogar conversa fora.
Beber.
Dançar.
Transar.
Ouvir Chico.
Aprender esse mundo todo aí.
Criar!
Quero línguas novas.
Quero duplos sentidos.
Quero tudo que o dinheiro não compra.
Quero roubar frutas de árvores dos pátios dos vizinhos.
Quero amassos quentes em locais proibidos.
Não sei se vou querer isso tudo sempre.
Mas desde sempre quero isso.