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terça-feira, 2 de agosto de 2016

Sociedade Instantânea

Em alguma realidade, num tempo não distante. Passado, futuro ou presente. Pequenos humanos eram encaminhados para o Centro de Capacitação da Utilidade (CECAU). De lá, saíam quando atingiam a Maturidade da Utilidade - idade variável para cada indivíduo - para ser unidade de trabalho da incrível Sociedade Instantânea. Também existiam os Inúteis, nome dado aos indivíduos que não se enquadravam ao perfil do CECAU, e por consequência, viviam à margem da Sociedade, quase invisíveis. Quem coordenava a CECAU era uma humana muito bela e racional, de nome Focus. Quando Focus passava entre os corredores frios das salas de capacitação, todos tremiam, capacitadores e capacitandos. Sua beleza em momento algum amenizava a sua imagem de poder e interferência em vidas alheias.

Eduarda estava a poucos passos da Maturidade e logo descobriria onde a designariam como útil. Tinha enorme vontade em ser útil nos hospitais. Acreditava que lá existia uma possibilidade de ajudar alguma vida, de alguma forma mais contemplativa que conveniente. Mas como diria sua mãe “nem sempre se pode ser o que se quer” e a CECAU definiu sua utilidade em ser capacitadora. Eduarda sempre ouviu falar que para ser capacitadora precisa ter nascido para isso, com uma espécie de dom sagrado, proveniente de uma força alheia a sua compreensão. Eduarda nunca foi tocada por Focus.

Outra característica de Focus era o seu poder. Ela carregava nas mãos a incrível capacidade do acreditar. Os muitos humanos que eram tocados por Focus conseguiam ver a magnitude de seus pensamentos de tal forma que não havia outra possibilidade diferente a não ser acreditar nas coisas que Focus via como verdade.

Eduarda, inconformada com sua utilidade, se questiona sobre a autoridade de Focus e sobre a soberania da Sociedade Instantânea.

- Quem conta as verdades em que a Focus acredita? - Se pergunta Eduarda, sozinha.

Sabendo que a maioria das pessoas que conhecia haviam sido tocadas por Focus em algum momento de suas vidas, Eduarda guardou suas dúvidas consigo até ver um invisível. Marco era um homem de pensamento rápido, interrogativo e desconfiado. Fora nomeado como Inútil aos 12 anos de idade quando fazia muitas perguntas aos capacitadores e até a Focus. Focus tentou tocá-lo muitas vezes, sem sucesso. A primeira oportunidade que tivera, fugiu da CECAU. Não muito preocupado com seus rótulos, Marco escrevia e fazia músicas, muitas músicas. Levava a vida com restos de comida e frutas das árvores dos vizinhos. Dormia num barraco junto de outros invisíveis. Eduarda nunca tivera ouvido músicas em sua vida, nem tivera a oportunidade de saber que elas existiam. Seus olhos, tomados por alguma emoção, explicaram a Marco que havia força em sua arte.

- Ser invisível tem suas vantagens. - Explica Marco. - Olhe aquelas pessoas! - Ele aponta para as pessoas que estavam saindo de um grande prédio para o horário de almoço. - Eles tem hora para almoçar, já tem definido o que devem comer, o que devem vestir, o que podem pensar, e provavelmente, um dia, quando sua utilidade não tiver mesma potência, em qual pedaço de terra seus corpos serão enterrados.

- De onde você tira essas palavras? - indaga Eduarda.

- Duda, posso te chamar assim? Eu observo! Sou um observador, sou a dúvida desta Sociedade, sou a prova que não é preciso ser mão-de-obra para alguém ficar rico. Sou a minha casa, a minha comida, a minha música.

- E como você aprendeu essas músicas? Como você fez esta ferramenta de som?

- Isto é um violão! Como o violão não gera renda para alguém, o cara que o inventou foi nomeado como Inútil aos 14 anos. Caetano é um dos invisíveis mais velhos do barraco. Ele é magnífico!

Eduarda permanecia chocada com todas aquelas informações negadas pela CECAU como úteis. Como poderia ser inútil tamanha beleza? E a alegria que emanava daquela sequência de sons poderia ser assim tão facilmente desprezada? Esquecida não seria, ao menos, não mais por Eduarda. 

- O que você acha da Focus? - perguntou Eduarda.

- Tenho pena dela.

- Como assim pena?! Ela faz da vida das pessoas o que ela acredita que é certo, pior, ela faz as pessoas acreditarem que o que ela pensa é certo. Os capacitadores são escravizados por ela. A maioria dos capacitandos almejam ser escolhidos por ela. Acreditam que assim são especiais, que mereceram receber a verdade...
Marco interrompe o discurso:

- Eu sei de tudo isso. Ainda tenho pena dela. - silêncio - Você já se perguntou quem conta as verdades que a Focus acredita?

Sentindo-se em sintonia com aquele invisível, Eduarda entende a tal pena que Marco se refere.

- Sim. Me perguntei isso pela primeira vez no exato dia que te conheci, há 3 meses. - os dois se olham como que se estivessem a descobrir um planeta habitável a ponto de explodir. Ela continua. - Em 65 dias entro em sala, fui definida capacitadora.

- O que você acha disso?

- Acho que sou enfermeira.

- E o que vai fazer?

- Tenho 65 dias para descobrir. Me ajuda?

- Vou ver em minha agenda… Nada para segunda… Nada para terça… Acho que posso te encaixar na terça!

Eles riem. 

- Você é a droga de um desocupado! 

- Sim, só tenho vantagens. Sabe qual a outra vantagem de ser invisível: ser invisível!

De fato, todos os tocados pela Focus, inclusive a Focus, não conseguem ver os declarados Inúteis. Isto permite trânsito livre, ou quase isso. A dupla tramou o plano básico de um detetive: seguir, observar a rotina, ouvir conversas. Com algumas habilidades tecnológicas foi possível encaminhar e-mails e ativar webcams, o que facilitou o serviço. Reuniões com homens e seus ternos alinhados, essa era a vida de Focus. Mas quem eram aqueles homens? Quem seria rico o suficiente para ter ternos com aqueles cortes? 

- Eu acho que conheço aquele ali de terno com riscas. É o dono do Banco Capital!

- O de terno verde musgo eu conheço. Era o chefe da minha mãe. Ele é o dono dos Laboratórios Tento! - diz Marco.

- Certeza que eles todos devem ter sido tocados pela Focus. Entra na sala e escuta o que eles estão conversando.

- Não sei se é seguro.

- Claro que é. Vai ser medroso? Estamos prestes a descobrir o que tem de mais instantâneo nessa sociedade!

- Okay.

Marco saiu do jardim e pela porta dos fundos, entrou no prédio. Na sala de reuniões, entrou atrás da moça que carregava o café. Poucos segundos foram o suficiente para ele entender tudo. Aquele era o grupo que dava as verdades para Focus acreditar! A moça do café sai e Marco permanece ali parado, ouvindo.

- Ajudante, saia com a copeira! - Disse o dono do Banco, para a surpresa de Marco.

- Fique! Você não é o filho da Amélia? Ele é um inútil! Prendam-no! - Disse o ex-chefe da mãe de Marco.

Aproveitando-se da agilidade da juventude, Marco sai correndo do prédio, pronto para contar tudo o que viu a Eduarda e ao mundo. Eduarda não estava mais escondida nos jardins. Onde está Eduarda? 


CRÍTICA DA CRÔNICA SOCIEDADE INSTANTÂNEA

Embebidos em regras enevoadas de conduta de gênero, cor, credo e tempo, seguimos nossas vidas com alguma esperança. Alimentados por um sentimento de segregação, superioridade e por consequência, inferioridade, seguimos nossos acordos sociais diários. Inclusive, na Escola. Partindo do ponto que a Escola que experienciamos hoje segue os erros e acertos da nossa sociedade, podemos afirmar que ela passa longe da skholé que idealiza J. Masschelein (KOHAN, 2015). Guiados pelo artigo Um exercício que faz escola: notas para pensar a investigação educacional a partir de uma experiência de formação no Rio de Janeiro, convido-vos a fazermos uma breve reflexão da crônica Sociedade Instantânea, relacionando-a como uma caricatura do sistema de ensino.

No texto, podemos perceber a personagem Focus com uma interessante personalidade, que pouco fala e ao mesmo, utiliza-se de outros artifícios para convencer todos que passam pela Instituição a qual coordena. Estes artifícios vão desde a utilização de seu poder sobrenatural, até outras formas mais sutis de coerção, como seu poder de prestígio e autoridade. Podemos também reconhecer a crença de uma sociedade que privilegia a rapidez como eficiência e mérito, e com isso, ser tocado pela Focus gera uma busca: o alcançar de um status superior. Por outro lado, gera passividade, pois não existem mais questões de dúvidas e pluralidade de pensamentos, e sim, a unicidade de uma verdade. A problemática da crônica gira em torno da insatisfação da personagem Eduarda com sua função de utilidade que não coincide com o íntimo de sua vontade. Esta insatisfação faz Eduarda questionar a autoridade de Focus e por consequência a origem de suas verdades. Neste cenário, Eduarda conhece Marco, um garoto marginalizado pela sociedade por não compreender, aceitar ou se encaixar as suas regras. Os dois cultivaram uma amizade. Elementos comuns à nossa cultura atual como a música e a literatura eram classificadas como inúteis na Sociedade Instantânea, visto que são integrantes do conjunto das artes e não geram retorno financeiro imediato, como, por exemplo, um martelo. À margem, elementos artísticos eram encontrados facilmente, o que potencializou as dúvidas de Eduarda, visto que ela se surpreendeu com tamanha beleza classificada como desnecessária. Até este momento, é possível classificar Focus como a vilã da história, porém Eduarda e Marco descobrem que ela era apenas uma ferramenta de controle dos verdadeiros vilões: os ultra-ricos.

Podemos fazer uma analogia da personagem Focus com o currículo escolar, que por muitos professores e/ou escolas, é encarado como que para ser seguido numa orientação encapsulada da verdade. Com isso, podemos verificar uma crítica aos modelos de educação desde a criação da escolarização, com uma escola e currículo para os filhos dos operários se tornarem bons operários, outra escola e outro currículo para os filhos dos burgueses se tornarem bons administradores. No momento que é feita a decisão do que se deve estudar, escolhe-se diretamente o que não se deve estudar. Nos tempos atuais, tempos de repensar a educação, o currículo ainda se impõe com tamanha autoridade? Será que um currículo único compreende todas as pluralidades culturais das diferentes regiões do nosso imenso país? Quem cria o currículo? As pessoas que criam o currículo atual são isentas de interesses e coerções sociais?

Outra característica a ser observada é a passagem do tempo. Marco disserta que as pessoas classificadas como úteis tinham suas vidas planejadas, no ritmo que a sociedade julga ser justo. Vidas ditadas por Chronos. Antagônico a isso, Marco viveu desde muito jovem à sorte do sem tempo, sem relógio, sem compromissos quantificados por outrem. Aprendeu sem estar numa instituição de ensino, com os mais velhos, os da mesma idade e os mais jovens. Sua classificação permitiu-lhe encontrar o acaso de aprendizagens inenarráveis. Não seria esta a escola de Masschelein? Suspenso do campo social, ele e todos com os quais tinha contato. Profano, a medida que desde jovem questionou o sagrado. Atento aos seus interesses e liberdades, sem buscar uma preparação para um dia viver, e sim, vivendo. E por fim, compartilhando o amor de estar e pertencer a algum espaço-tempo, comum e belo, com seus semelhantes. Como disse Kohan (2015)
“(“Passar-ela: é um prazer não estar, mas estar entre”). Estar entre, uma paixão, um prazer, uma devoção no curso: andar a caminho, entre, nas pontes, nas entrevias, nos caminhos, andar, andar e andar, estar a caminho, estar entre, caminhar entre, educar entre, entre-educar.”
Você pode baixar o texto da referência clicando aqui.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KOHAN, Walter. Um exercício que faz escola: notas para pensar a investigação educacional a partir de uma experiência de formação no Rio de Janeiro. In: Educ. foco, Juiz de Fora, v. 20, n. 1, mar. 2015 / jun. 2015. p. 141-158

terça-feira, 12 de julho de 2016

Em brasa


O ônibus empoeirado fazia perceber a importância dos pelos dentro do nariz. Desceu. O vento batia em seu rosto como um ataque de pássaros de gelo enfurecidos, quase a rasgar a pele fina, cor de papelão abandonado. Um queria sanduíche. Outro, queria comer aquela rua inteira numa só mordida saborosa de canções, cervejas e poesia. Talharim. Carbonara e quatro queijos. Ninguém acertou o chute do almoço, pois cardápios devem ser feitos de fome com uma pitada de algum tempero que te convença a mudar de opinião. Não bastasse a cobiça sobre os pratos dos outros quando passava entre as pessoas que almoçavam satisfeitas. Como não cobiçar os prazeres da vida? "Cobice-me!" pensava ela. Não se sabe como o diálogo começara. Foi sobre a câmera ou sobre sua visão que não ajudava sempre que lhe roubavam os óculos. Não eram pássaros naquela árvore, eram os próprios frutos da árvore. Que árvore era aquela? Sabe-se que não era um jacarandá ou um abacateiro. Dos não abacates para uma vontade louca de pular sobre seu colo e lhe afogar em beijos. Vontade de sentir o sexo quente pulsando em sua boca. Permaneceram parados, dominando suas vontades e imaginações. Não se sabe como o fluxo dessas conversas funciona. Talvez sejam eles boas cobaias para testar uma árvore criativa dos diálogos humanos infindáveis. Chatterbots. São máquinas de sentir e tagarelar. O tempo é encurtado pela velocidade das palavras selecionadas e derrubadas de um sobre o outro.
- Outra cerveja? - pergunta o garçom.
- Que horas fecha lá no aeroporto?
- É. Acho melhor irmos. - ela olha para o garçom - Não queremos outra, já estamos indo.
Escolheram passar por dentro do Mercado Público. Cheiros misturados. Imagens misturadas. De sorvete à pele de porco. Deram de encontro com a entrada do metrô.
- Direita ou esquerda?
- Esquerda. Sempre esquerda.
- Não sei por que ainda pergunto.
Bilhetes comprados. Uma exposição de fotografias naqueles corredores subterrâneos e apressados. A esquerda nem sempre é o caminho mais fácil. Enquanto nela tínhamos uma escada com consideráveis degraus, à direita tínhamos a escada rolante. Resistir às tentações da direita: dever cumprido. Os vagões estavam diferentes que antes, agora eram todos interligados de modo que era possível caminhar livremente do primeiro ao último vagão com as mãos no bolso. Resolveram ficar parados, admirando um ao outro ao pé do ouvido. Um suspiro quente envolveu o lóbulo de sua orelha e eriçou todo o lado direito do corpo dela. Num sussurro rouco ele disse:
- O preço do dólar caiu...
Eles riram. Ela estava gostando da brincadeira. Tinham algo excitante em algo nada excitante. O jogo de hálitos febris sobre a derme continua.
- Fala mais sobre isso. - disse ela.
- Casa Branca...
- Casas Bahia... - sussurrou ela no ouvido dele.
Eles se afastaram para enxergar os olhares, sorriram e riram mais uma vez. Interrompidos pela narração da estação aeroporto, desceram.
- Eu não vou entrar nisso aí, não tem nem motorista! - disse ele com alguma ironia referindo-se ao aeromóvel.
Embora o transporte fosse lento, era seguro, eficiente e o principal, gratuito. Chegaram ao aeroporto. Podiam ver o antigo e o novo. Existe uma história que o antigo é o novo e o novo é o antigo reformado, mas nunca entendi isso direito. Nem eles. Dentro, foram comprar os bilhetes para a viagem que tanto esperavam fazer juntos. Planejavam não ter um planejamento muito planejado, apenas o suficiente para não morrer de fome e frio. O resto é sorte ou acaso, como sempre. Para tornar as coisas mais importantes ou complicadas, existe um tal de limite diário no débito e até no boleto para pagar no caixa eletrônico. Não importa que você tenha o dinheiro, vive não pode usá-lo. Precisavam de uma agência. Foram até a mais próxima, em Canoas. Portas eletrônicas são as rivais naturais das mochilas em dias de inverno chuvoso. Percebendo a garota mais desajeitada da quadra, o guarda resolveu colaborar. Pediu para mostrar a mochila aberta e a deixou passar. Ela sorriu e agradeceu a piedade. No caixa, mesmo tendo sua digital e senhas, era preciso de um documento original com foto. Nada feito. Nada de bilhetes. Frustrados, foram para o metrô.
- Eu não sei onde enfiei minha identidade! - reclama ela, com alguma tortura. Ela tem uma ideia para parar o martírio. - Já sei! Vamos até a Unisinos? Nunca fui lá.
- Você quer? Dá tempo?
Ela olha o relógio. Eles não tem muito mais tempo. Ela tinha outro compromisso.
- Fazemos a seguinte condição: se o trem que vai para a Unisinos não tiver lugar para sentar, não vamos; se tiver, vamos.
- Ah! Como é bom andar com matemáticos! Eles fazem uma condição e resolvem toda a vida!
- Nem vem! Programação tem mais condições que matemática! Sql também. Também?
- Também.
O vagão estava lotado. Então, voltaram ao Mercado. Eles caminharam até o Majestic por um caminho que ela não costumava fazer. De lá, era possível ver o antigo hotel ao longe, com suas luzes, seu rosa, seus detalhes arquitetônicos. Namoraram aquela fotografia linda, perfeita para um filme de Wes Anderson. Eram amantes das cenas desta cidade. Certamente, amantes das cenas de tantas outras.
Recepcionados por duas estudantes que fizeram questão de se identificar como estudantes da UFRGS, responderam, voluntariamente, uma pesquisa sobre cultura. Mas afinal, o que é cultura? Essa pergunta era deles e não das estudantes. Elas estavam mais preocupadas em saber se os dois compravam ou não elementos culturais. Para surpresa da jovem, responderam que preferiam fazer ou roubar elementos culturais por aí. Pegaram o elevador até o quarto andar para tentar achar uma exposição de arte. Subiram e desceram as escadas tantas vezes que eu perdi as contas de qual andar esses dois foram parar. No andar das artes cênicas havia um salão com as paredes de espelho. A porta principal, de vidro, estava trancada e as luzes estavam acessas. Olharam para o salão com o sentimento de querer explorá-lo, mesmo vendo que pouco havia para ser explorado. Desistiram. Mais a frente estava uma exposição de fotos de pessoas gaúchas com importância nacional, acredito que eram todos atores e atrizes. Eles se separaram perdidos em meio tantos rostos nas paredes. Alguns eram pedaços de jornais com alguma informação sobre a pessoa. Ela lia quando ele a chama para ver o que tinha descoberto. Um corredor que levava até uma porta-balcão do salão dos espelhos. Esta porta estava aberta. Dentro do salão, na parte que não era possível ver da porta de vidro, havia um piano vertical, cadeiras, barras para ballet, um rádio antigo, e uma caixa de som, sendo os dois últimos acorrentados à parede. Ali, com a ausência do vento frio de Porto Alegre, a temperatura estava agradável. Ela abandonou seu casaco sobre o piano e foi tentar colocar o pé sobre as barras. Ele, embora magro e alto, teve bastante dificuldade para imitá-la, isso que ela não teve movimentos graciosos, muito pelo contrário. Abriram o piano e tentaram tocar algumas notas, fazer alguns acordes. Haviam três pedais no piano, os quais não descobriram a função mesmo após vários testes. Nada mais foi tocado além de um do-ré-mi-fá-fá-fá. Enquanto ele expressava sua suposta raiva com as notas mais graves do piano, ela pensava em onde estavam os interruptores para apagar as luzes. Ela procurou ao lado das portas, e nada tinha. Observou para onde levavam os caminhos feitos pelos fios das lâmpadas. Colado na porta a qual usaram para adentrar a sala, estava um aviso solicitando para apagar as luzes após o uso. Ela pensou sobre as possibilidades: i) as pessoas que estavam usando a sala saíram para um intervalo e logo voltariam; ii) as pessoas que usaram a sala se foram e esqueceram ou não acharam onde apagar as luzes. Em ambas as situações, havia uma possibilidade muito grande de os guardas virem apagar as luzes, visto que às dezoito horas a maior parte da Casa de Cultura adormecia. A melhor solução para não serem expulsos dali seria apagar as luzes, como queria fazer antes, só por fazer. Na parede a sua direita havia uma tampa, e atrás da tampa muitos interruptores com fitas crepe e palavras escritas. Ela não entendia o significado de tantos nomes técnicos para a iluminação. Testou todos e conseguiu apagar as luzes do salão, mas teve medo de apagar todo o Majestic por engano. Caminhou até o piano novamente.
- A gente podia morar aqui. Aqui seria o quarto.
- Podia sim. Mas aqui teria de ser a cozinha. O quarto seria ali, bem no meio, de frente para os espelhos e visível a todas as portas.
- Hum... pode ser, pode ser... transaríamos para todos!
- Isso! Essa é uma das nossas artes! Temos que fazer uma exposição do nosso sexo!
Ele se levanta e a beija. Um beijo longo e cheio de línguas. Suas respirações logo ficaram apressadas. Seus corpos ficaram quentes como se uma corrente elétrica estivesse atravessando-os. Se apoiaram ao amontoado de cadeiras empilhadas, de modo que ela ficou entre as pilhas e ele. Pela proximidade dos corpos ela já sentira que seu pau estava duro, mas preferiu não atacá-lo na velocidade de arranque de uma Ferrari. Ela estava se sentindo desejada por aquele homem. Ele estava querendo o que ela estava querendo. Ela queria chupá-lo. Sem ser dita uma palavra ele tratou de deixar claro que gosta de Ferraris. Pegou a mão direita dela e colocou sobre a calça. Agora ela podia medir cada milímetro de seu membro com o toque de sua mão sobre o jeans preto. Enquanto as mãos dela tentavam sentir o movimento daquele homem, as mãos dele se fartavam na bunda dela. Ele a amassava como um padeiro ao pão mais sovado da face da Terra. Ela lembrava de tantas outras vezes que ele lhe chupava e lambia inteira. Lembrava da voracidade que ele comia e lambusava sua bunda. Ele abre a calça jeans. Ela tira o membro dele para fora, lambe sua própria mão e o acaricia, por vezes, oscilando a velocidade. Ela num frenesi de idéias, vontades e movimentos, se pergunta quando ele vai ter coragem de meter gostoso em seu cú. Eles escutam um estalo e espiam pelos espelhos se alguém havia chegado, mas era apenas o assoalho de madeira trabalhando. Querendo ter aquele homem dentro dela de alguma maneira, ela se ajoelha a frente dele e engole seu pau com a mesma fervorosidade de uma beata quando encontra seu Deus. Ela sugava seu membro rígido e se deliciava deste tesão em local proibido. Ela pedia em silêncio que ele gozasse em sua boca. Queria descobrir o sabor máximo de seu sexo, seu delicioso sexo. Em um breve momento de lucidez, eles decidem parar o feito. Ele guarda seus documentos e caminha todo errado até a cadeira do piano. Senta. Ela de pé, se enverga apoiando os cotovelos sobre o piano, deixando o quadril ligeiramente deslocado para a frente.
- Eu queria muito você dentro de mim agora...
Ele se levanta, beija sua nuca e com sua voz rouca de vinte e poucos anos de cigarros diz:
- Hum... eu quero estar dentro de você de todas as formas possíveis...

Mal sabe ele que já está dentro dela da forma mais profunda que alguém pode chegar. No âmago do seu ser-sentir. Na alma.

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

(O meu amor - Chico Buarque)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Corrente do Mal - It Follows




Olá, pessoinhas!
Acho que nunca escrevi nada aqui falando diretamente com vocês, mas quero que saibam que sou mais do que textos enormes e tirinhas sem sentido... Acho... Penso... Rezo...
Queria contar pra vocês de um filme de terror que vi recentemente.
O nome é Corrente do Mal (It Follows, em eslovaco) e se trata daquele tipo de filme de "maldição".
Eu não costumo gostar de filmes de terror, e sempre assisto com companhia pra ficar zoando e tentar evitar o medo, mas esse filme me deixou abismado pela sua qualidade.
Nada dos corriqueiros "jump scares" (coisas saltando na sua cara pra fazer seu orifício piscar), e muito daquela saudável e gostosa tensão psicológica.
E do que se trata?
É um filme de "monstro sobrenatural", no qual é retratada uma certa maldição que é passada através do sexo. A pessoa "infectada" está sendo seguida por uma coisa que assume a forma de diferentes pessoas. Essa coisa não corre, mas caminha na direção da pessoa, e se ela te pegar... Digamos que não é nada bonito.
Como se livrar dela? Passando adiante! Ah, mas tem um detalhe. Se a pessoa morrer pra quem você passou morrer, a coisa vai ir atrás da próxima pessoa na "corrente".
Eu não quero falar muito mais agora para não dar spoiler, mas vou comentar algumas coisas para quem já viu.
Assista essa bela película e clique em "Continuar lendo" para ver minha análise um pouco mais detalhada sobre o filme.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

E viveram felizes para sempre

Pra mim ser feliz para sempre é correr rua.
Ver gente.
Jogar conversa fora.
Beber.
Dançar.
Transar.
Ouvir Chico.
Aprender esse mundo todo aí.
Criar!
Quero línguas novas.
Quero duplos sentidos.
Quero tudo que o dinheiro não compra.
Quero roubar frutas de árvores dos pátios dos vizinhos.
Quero amassos quentes em locais proibidos.
Não sei se vou querer isso tudo sempre.
Mas desde sempre quero isso.

terça-feira, 28 de junho de 2016