- Tudo bem – ela disse – pode entregar
seu rico amor só pra quem você achar merecedora, mas se desse chance para
alguém seria mais fácil. Não acha?
Ele riu.
- De novo isso? – suspirou – Você
me deu sua opinião e uma sugestão. Eu a anotei e guardei carinhosamente. Agora
cabe a eu decidir quando, como e se vou usá-la. – cutucou o pássaro mais próximo
com a ponta do pé – Elas parecem bastante saldáveis. Já imagina por que isso
aconteceu?
- Não – ela recolheu o animal e o
depositou com cuidado dentro da caixa que ele carregava – E você?
- Ira divina sobre esses imundos
ratos com asas? – sugeriu. Encolheu os ombros – Você é a especialista aqui, eu
sou só o cara da caixa – balançou a caixa para dar ênfase.
- Eu
não sou formada. Quando seu professor morre e ninguém parece muito preocupado
em mandar substituí-lo fica difícil continuar aprendendo – percorreu a praça
com os olhos. Haviam muitos corpos da imensa variedade de pássaros que se pode encontrar em uma cidade – Se eu tivesse experiência em dissecar talvez fosse
mais fácil.
- Ah,
mas você tem acesso a muitos livros com gravuras belíssimas...
Ela fez
uma careta.
-
Sempre fui mais chegada a um bom romance – colocou outra pomba na caixa.
- Pegue
alguns pardais também. São mais fofinhos.
Recolheram
mais alguns espécimes e foram embora. Ela havia dito que viria de bicicleta, se
não precisasse carregar peso, portanto ele a servira de motorista também.
- Vou
passar no laboratório mais tarde – ele disse quando se despediram – Pra ver se
já descobriu alguma coisa.
- Ótimo
– torceu a boca, algo entre uma careta e um sorriso – Isso vai me motivar a
abri-los e procurar alguma coisa.
Quando
se viram novamente, algumas horas depois, ela sorria. Pelo jeito como manejava
os pássaros, havia superado o nojo inicial. Estavam dispostos em cima de uma
bancada, ele agradeceu mentalmente por ela ter alcançado a ele um que não havia
aberto. Ele apanhou o animal e ergueu o sobrolho.
- Não
parece pesado? – ela perguntou.
- Hm –
levou a outra mão à testa e franziu o cenho, pensativo – Deixe-me resgatar à memória
a ultima vez que segurei uma pomba...
Ela revirou
os olhos. Pegou a pomba e a colocou sobre uma balança na mesa.
- Ela
pesa um quilo e meio – martelou as palavras com o indicador – Mais que o triplo
do peso de uma pomba normal – fez um gesto amplo para os outros pássaros – Aves
são feitas para serem leves. As que voam, pelo menos. Esses morreram de
exaustão.
- Elas
não parecem muito maiores do que as normais – pensou um pouco – Estão mais
densos...
- Anda
visitando a academia? – disse ela sorrindo.
Ele
ficou confuso por um segundo. Olhou seu antebraço. Tinha desenvolvido músculos discretos,
mas que dificilmente poderiam ser atribuídos à digitação e cliques de mouse.
Entendeu.
- Gastei
uma fortuna em cereais – viu que ela não ria - Acha que foi o gás? – olhou para
ela de cenho franzido – Disseram que não é tóxico... – olhou pela janela do laboratório.
Estavam no quarto andar com uma vista relativamente boa dos prédios da cidade –
Milhares morreram e milhares continuam voando – olhou para ela –
Definitivamente não é letal.
- Diga
isso pra eles – disse ela sorrindo zombeteiramente e apontou novamente para as
aves – Humanos e aves são diferentes. Eles não conseguiram se adaptar. Ah, sim –
lembrou – São todos machos.
Ele assentiu
devagar.
- Você
descobriu algo importante aqui – disse – melhor anunciar como sua descoberta.
Talvez até ganhe o premio Nobel.
- Hm –
ela concordou. Os
dedos tamborilando no tampo da mesa, a outra mão escorada no quadril. Seu
cabelo preso para trás num coque improvisado deixando mechas do cabelo liso pendendo
dos lados da franja. Os olhos de um azul escuro fitando o pequeno ser emplumado
mais próximo, olhando sem ver. Ele quase podia ouvir as engrenagens de seu cérebro
trabalhando, o pensamento muito longe dali.
Dizer que ela é linda é uma maneira muito
pobre de descrevê-la, ele se pegou pensando.
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