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domingo, 20 de outubro de 2013

Quando os pássaros caem

- Tudo bem – ela disse – pode entregar seu rico amor só pra quem você achar merecedora, mas se desse chance para alguém seria mais fácil. Não acha?
Ele riu.
- De novo isso? – suspirou – Você me deu sua opinião e uma sugestão. Eu a anotei e guardei carinhosamente. Agora cabe a eu decidir quando, como e se vou usá-la. – cutucou o pássaro mais próximo com a ponta do pé – Elas parecem bastante saldáveis. Já imagina por que isso aconteceu?
- Não – ela recolheu o animal e o depositou com cuidado dentro da caixa que ele carregava – E você?
- Ira divina sobre esses imundos ratos com asas? – sugeriu. Encolheu os ombros – Você é a especialista aqui, eu sou só o cara da caixa – balançou a caixa para dar ênfase.
                - Eu não sou formada. Quando seu professor morre e ninguém parece muito preocupado em mandar substituí-lo fica difícil continuar aprendendo – percorreu a praça com os olhos. Haviam muitos corpos da imensa variedade de pássaros que se pode encontrar em uma cidade – Se eu tivesse experiência em dissecar talvez fosse mais fácil.
                - Ah, mas você tem acesso a muitos livros com gravuras belíssimas...
                Ela fez uma careta.
                - Sempre fui mais chegada a um bom romance – colocou outra pomba na caixa.
                - Pegue alguns pardais também. São mais fofinhos.
                Recolheram mais alguns espécimes e foram embora. Ela havia dito que viria de bicicleta, se não precisasse carregar peso, portanto ele a servira de motorista também.
                - Vou passar no laboratório mais tarde – ele disse quando se despediram – Pra ver se já descobriu alguma coisa.
                - Ótimo – torceu a boca, algo entre uma careta e um sorriso – Isso vai me motivar a abri-los e procurar alguma coisa.
                Quando se viram novamente, algumas horas depois, ela sorria. Pelo jeito como manejava os pássaros, havia superado o nojo inicial. Estavam dispostos em cima de uma bancada, ele agradeceu mentalmente por ela ter alcançado a ele um que não havia aberto. Ele apanhou o animal e ergueu o sobrolho.
                - Não parece pesado? – ela perguntou.
                - Hm – levou a outra mão à testa e franziu o cenho, pensativo – Deixe-me resgatar à memória a ultima vez que segurei uma pomba...
                Ela revirou os olhos. Pegou a pomba e a colocou sobre uma balança na mesa.
                - Ela pesa um quilo e meio – martelou as palavras com o indicador – Mais que o triplo do peso de uma pomba normal – fez um gesto amplo para os outros pássaros – Aves são feitas para serem leves. As que voam, pelo menos. Esses morreram de exaustão.
                - Elas não parecem muito maiores do que as normais – pensou um pouco – Estão mais densos...
                - Anda visitando a academia? – disse ela sorrindo.
                Ele ficou confuso por um segundo. Olhou seu antebraço. Tinha desenvolvido músculos discretos, mas que dificilmente poderiam ser atribuídos à digitação e cliques de mouse. Entendeu.
                - Gastei uma fortuna em cereais – viu que ela não ria - Acha que foi o gás? – olhou para ela de cenho franzido – Disseram que não é tóxico... – olhou pela janela do laboratório. Estavam no quarto andar com uma vista relativamente boa dos prédios da cidade – Milhares morreram e milhares continuam voando – olhou para ela – Definitivamente não é letal.
                - Diga isso pra eles – disse ela sorrindo zombeteiramente e apontou novamente para as aves – Humanos e aves são diferentes. Eles não conseguiram se adaptar. Ah, sim – lembrou – São todos machos.
                Ele assentiu devagar.
                - Você descobriu algo importante aqui – disse – melhor anunciar como sua descoberta. Talvez até ganhe o premio Nobel.
                - Hm – ela concordou. Os dedos tamborilando no tampo da mesa, a outra mão escorada no quadril. Seu cabelo preso para trás num coque improvisado deixando mechas do cabelo liso pendendo dos lados da franja. Os olhos de um azul escuro fitando o pequeno ser emplumado mais próximo, olhando sem ver. Ele quase podia ouvir as engrenagens de seu cérebro trabalhando, o pensamento muito longe dali.

                Dizer que ela é linda é uma maneira muito pobre de descrevê-la, ele se pegou pensando.

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