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domingo, 27 de outubro de 2013

Rosa, Livros e Asteroides - II



-Ah! Algumas coisas perdem o encanto quando reveladas... Isso é apenas você por mais algumas páginas, poucas dela. - diz ele.

-As últimas a serem tocadas fora de Washington... Você não roubou esse livro, né? Me diga que não! - a cara dele é de riso, dando o ar da incerteza que tanto a incomoda. - Essa sua cara. Aposto que esse livro dever ser do tempo da Unisinos. Agradeça o cometa por você não estar falido em multas por não entregar seus livros!

-Eu só pegava emprestado. E depois vendia. Simples! E foi asteroide, mulher. - uma tentativa falha de repreensão só sorrir surge. Ela amava-o por ser esse cara confuso e descomplicado, ainda não compreendendo como isso pudera ser possível.

-Tá bom! Você disse estar com fome. Não fiz nada de especial. Tem proteína na geladeira.
Ele aponta com o polegar direito para a mesa da cozinha. Há uma comida que por muito ninguém via.

-Uma pizza! - exclama ela. - De fricassé! - após a euforia de ver uma comida diferente de proteína, vem a dúvida. - Frango de verdade?

-Meu amor, você é especial e eu te amo por isso, porém não. Não reinventamos as galinhas. Não é frango. Mas é como se fosse. Acredite. Seja positiva e sinta o frango! Sinta o creme de leite... Veja como a vida tem infinitas possibilidades!

-Você é um completo idiota! - ela dá um beijo nele. Coloca os pratos e os talheres sobre a mesa, de maneira emocionada. Tenta desviar sua atenção de sobre a pizza. - Sofia está com problemas no trabalho. Tem um novato que não aceita o que ela diz.

-Mulher, temos 3 filhos e até hoje você não aceita o que eu digo. Ele deve estar querendo apenas chamar a atenção. Se ele não fosse bom o suficiente, não estaria na equipe de Sofia.

A mesa fica silenciosa por alguns instantes, enquanto ambos degustam a tal pizza de frango que não é de frango.

-Isso é sensacional! Posso comer isso pro resto da vida! - diz ela.

-Não. Isso não seria bom. Porém, você tinha razão. Dei um pulinho em Washington hoje de manhã depois de entregar os cilindros. Esse lance de cilindros já está, como diria seu pai, um pouco démodé. E o Leandro me abandonou. Quem seria utilizável o suficiente para passar o dia entregando cilindros pelo valor que pagamos pra ele? Então o Andrezinho me manda clocker nada imaginável.

-Quem diabos é Andrezinho?

-Você falou com ele uma única vez e o enganou. Lembra quando sofri o acidente que perdi os dedos do pé? - com a boca mais que cheia, ela balança a cabeça de forma afirmativa. - Pois você passou no jornal e enrolou um estagiário que te disse em qual hospital eu estava, informação esta, confidencial para você na época.

-Ah, sim... Um com cara de incompetente! Não lembro das feições do rosto dele. Lembro de espinhas, óculos, suspensório, desajeitado, em fim, um fracassado. O que tem esse cara? E por que vocês mantém contato sem você nunca ter me dito?

-Hoje, digamos que ele tenha mudado um pouquinho. Sem espinhas, sem óculos, sem suspensório, sem quebrar nada. Pois então, astrofísico, engenheiro químico e de materiais brilhante, reconhecido nas altas alas de todas as fortalezas. Talvez Sofia até o conheça. Ele fica na fortaleza de Washington pesquisando coisas inovadoras e me achou.

-Não venha me dizer que você é a inovação do mundo?

-Talvez.

-Uma inovação modesta, também! Senhor Inovação, só me explica de onde você tirou essa pizza?

-Oras! Você é linda mesmo falando de boca cheia. Já te disse isso antes? Bom, foi com o Andrezinho! Ele me achou por coincidência de sei lá o que, lembrou que eu era um dos poucos, senão o único, que não o chamava de incompetente e que sempre fui aberto a loucuras. Mandou um clocker perguntando como eu estava vivo e coisas de quem se encontra depois das fortalezas. Ele veio aqui e me trouxe uma fatia de pizza a moda da casa dele. Foi a melhor comida dos últimos anos!

-Qualquer coisa é melhor que essa proteína. Nosso café da manhã é proteína gelada, o almoço proteína quente e de janta, ensopado de proteína. Pizza é o paraíso. Quando se está no inferno, qualquer coisa menos pior já é chamado de céu.

-Certo! Com as grandes mentes vivas pensando em como manter a vida humana viva, esqueceram das futilidade. Tenho saudade do Angus do Mc, da batata, do xis do Moita, de estrogonofe.

-Falando dessas comidas de pobre dos anos dois mil, nem parece que foi um grande cheff, especializado na França.

-E onde está a França agora? Desapareceu com resto do mundo. Vamos combinar, sou humano, bicho, preciso de carne!

-Percebi isso quando você ficou comigo! - Ambos riem. Ele retoma o pensamento.

-Ó, querida Maria, você percebe o quanto essa invenção química do Andrezinho pode ser maravilhosa? Podemos ser os novos donos do fast food mundial!

-Levando em consideração que o mundo se resume a bem menos do que um centésimo do que era...

-Levando em consideração que podemos dominar o mercado do que todos esqueceram. Não é só comida. Maquiagens, perfumes. O André se tornou um gênio em fazer o que já existiu. Só que ele ainda não tem muito o dom da interlocução. Já a gente. Sabe como é.

-Você disse maquiagem?

-Sim!

-Eu já disse que te amo?

-Gosto de ouvir você falar isso. Mas fale bem alto desta vez!

A possibilidade de fazer o mundo que restara um pouco mais humano, um pouco mais como já foi, um pouco mais feminino, talvez menos frio, fez ela transbordar suas maluquices, suas lembranças. As fortalezas tinham tudo que precisavam. Ração humana, trajes padrão, oxigênio limpo, ensino, tudo racionado, tudo racional. E as futilidades da vida na Terra, onde foram? Comer besteira, ir à praia, ficar bonita para alguém. As fortalezas protegiam os que sobreviveram das inconstâncias da Terra. Mas ao mesmo tempo, as fortalezas, preenchidas por redes tecnológicas, aprisionavam as pessoas em uma sociedade morna e falida de sentimentos. O capitalismo não morrera, mas está morno tanto quanto o resto, pelo bem ou não. Ele aposta em fazer algo de melhor para os que estão por lá. Ela aposta nele. Sempre apostou.

-Eu te amo. Sempre amei. Te amo como nunca pensei que fosse durar, mas durou, dura. Aceitei os termos de compromisso sem ler as mil e duzentas páginas, e não me arrependo, mesmo você vindo com alguns defeitos de fábrica e sem manual de instruções!

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