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sexta-feira, 2 de junho de 2017

Desculpe



Desculpe, mas não é você.

E então eu penso, será que eu disse que teria esperança de achar que seria eu? Será que eu realmente pareço uma desesperada por um pouco da sua atenção? Será que eu aparento pensar em você? Logo eu, tão cuidadosa na meta armada para alcançar o desprezo. Logo eu, tão reles nas estratagemas de parecer dona dos meus sentimentos. Logo eu, que cuido em manter a mesma foto do perfil por dez anos e não corrijo a descrição para aparentar desleixo. Queria ser underground! Descobri que isso é só o metrô. Descobri quando a esperança que restou foi só um mapa turístico com as ruas principais, numa noite fria, com vento e chuva depois de dançar com desconhecidos e com alguma cerveja barata e tequila na cara. E quando estava quase certo que tudo só podia piorar estava lá ela, a placa redonda de bordas vermelhas UNDERGROUND. Eureka! Sempre soube que estávamos do lado da King's Cross! E não chegava. Não chegava. Não chegava. O mapa já era quase todo água quando achamos o prédio super alto da torre esquisita. Passamos uma das pontes sobre a maior ventania que experimentei. Inclinava meu corpo quase a 45 graus para a frente para conseguir sair do lugar. Nessa altura já não tinha mais álcool que amenizasse, até porque não tínhamos dinheiro qualquer para o álcool que fosse. Restava era chegar na porcaria daquele hostel castelo pesadelo, que só se via brasileiros trabalhando na limpeza, para tomar um banho quente. Pasmem: a válvula de abrir o chuveiro era de pressão como as torneiras de alguns shoppings, então era de 30 e 30 segundos pressionando aquela bosta! Viver com 8 libras por dia não é fácil. Quem mandou ser ryca em Roma? Eu avisei! Mas por que diabos ele achou que eu acharia que seria sobre mim? Se acha muito gostoso! Só pode! E por que eu deveria supor que era sobre mim? Será por causa das gavetas que dão pistas da minha falta? Será por causa das suas linhas sempre iguais, reparando sempre as mesmas características nas mais diversas personagens? É o vestido, a boca, os olhos... Puta que pariu! Será que as novas mulheres da tua vida tem que ter sempre os mesmos atributos. Escolhe uma que não seja míope, por favor. Ou cita as tatuagens, os piercings nos lugares inusitados, os vícios por chocolate ou cocaína, os aplicativos de layouts pré-formatados para "criar" cartazes de festas, ou a necessidade excessiva em querer ser underground. Mas faz um favor pra mim, explica que querer se afirmar e ganhar dinheiro em cima de artista morto é fácil, quero ver é ser metrô de verdade e transportar gente para os lugares aos quais essas pessoas querem chegar. Mas Londres não é uma cidade fácil! Aqueles ônibus de dois andares, aqueles undergrounds todos são só pra quem tem o cartãozinho que não é o TRI. Pra conseguir comprar aquela droga se gasta de início 10 libras. E como eu gasto 10 se eu só tenho 8 por dia? Não vou gastar! E assim desisti de ser underground e decidi ser transeunte. Ainda dizia para mim mesma "Assim tu sente a cidade passo por passo. É melhor assim!". Melhor assim? É louca! Foram 40km em 5 dias. Mas os museus eram de graça. Assim, eu dormi no Tate. Chegaram a pensar que eu era uma obra contemporânea! Bem, talvez eu seja. Mas eu queria mesmo era ser pós-moderna. E existe diferença entre contemporâneo e pós-moderno? Não sei! Eu poderia pesquisar e descobrir mas prefiro deixar que o destino me esbufeteie com a explicação em breves anos. Talvez até lá eu mude minha foto de perfil. Ou quem sabe, talvez até lá você escolha outras características para suas novas co-criações.

Ah! Desculpe. Aqui também não é você.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Cidade


Sinto a cidade como se fosse um corpo. Um organismo vivo e apaixonado. Uma súplica por um amor encontrado numa noite sem pretensão. Sinto o inspirar e o suspirar como a palpitação rápida do meu coração ao subir as escadas da casa. Sinto a cidade como se fosse um corpo: o meu. Esperando para ser explorado, descoberto, experimentado.

O sol das três e meia da tarde caia sobre as ruas feitas de memórias e pedras cuidadosamente alocadas à mão sobre um terreno-palco para grandes amores, pedras cuidadosamente desgastadas pelos tempo que se foi, e pelo tempo que há de vir. O sol trazia um cheiro familiar. O fumo, o frio, o sol, o branco e amarelo das paredes das casas, o cinza dos longos casacos, e os cachecóis que mais parecem cobertores por volta do pescoço das mulheres, tão lindas e tão pequenas. Realmente elas são miúdas. Eu não, mas mesmo assim teimam por me chamar. O charme do disparar das palavras - palavras escolhidas pelo hábito - parecem surrealmente esculpidas para agradar o meu ouvir. Corriqueiras e ao mesmo belas ao serem proferidas por lábios tão pequenos e doces, como os dele. Era só mais um dia comum, de uma fuga comum, pois não importa em qual lado do Atlântico eu esteja, sempre encontro algo para fugir. As ruas estavam enfeitadas para o Natal. Num pequeno largo que aqui chamam de praça, haviam inúmeras árvores feitas de materiais alternativos, desde garrafas, a esponjas e livros.

- É uma pena, mas em breve estas árvores não mais estarão aqui.

- De onde venho, seria só o esforço de colocá-las para não mais estarem. O povo do Brasil é mais rápido!

As comparações surgem a todo momento. É inevitável. Ok, tenho saudade! Mas surpreendentemente, não das pessoas, e sim do que é nosso, nossa comida, nosso sotaque característico, nossa cultura tão plural. Sinto saudade das ruas de Porto Alegre, mesmo tendo em Évora uma cidade que me abraça, que me aquece. Saudade nem sempre exprime vontade de ter de volta, e a vontade de ter de volta nem sempre vem cheia de saudade. Em algum lugar da internet definem saudade como sentimento de mágoa e nostalgia, causado pela ausência, desaparecimento, distância ou privação, mas não sei se concordo plenamente com esta definição. E no final, todas as línguas não passam disso: definições. Regras encadeadas para significar o que se sente. Um universo simbólico de representação da cabeça humana. Será que somos os únicos animais a terem tal sistema? Ao menos, com tamanha complexidade, acredito que sim. E assim, na sua origem mais remota, entre o serpentear de um pré-latim e do pensamento, surge latente, uma língua: elemento máximo necessário para caracterização de uma cultura. Como me encontrar numa cultura que não é minha? Simples, perca-se.

- E então, tornou-se hábito andar assim?

- Não é hábito! É que hoje saí atrasada. Coloquei o vestido logo que acordei e não daria tempo de tirar e recolocar o vestido, só para estar adequada. Um lenço e um casaco são mais rápidos e disfarçam na mesma!

Parece inevitável o procurar da mão sobre o fino tecido. E mais uma vez, o arrepio do seio vence a moda. Gosto da correnteza que rege o meu corpo, natural como deve ser. Gosto como sinto essa cidade.

- Estou atrasado...

- Me deixa aqui. Não tem problema.

- Mesmo?!

O beijo rápido e silencioso justaposto com o abrir da porta afirma que realmente não existe problema algum. Se ele soubesse que com o fechar da porta depois do "A gente se fala daqui um bocado!" eu teria o prazer de poder participar desta fotografia em tempo real, o prazer de caminhar com algum frio na ponta do nariz, o prazer de enxergar o brilho que só a miopia proporciona, e enfim, o prazer de conseguir retomar minha vontade de escrever, tenho certeza que ele faria o favor de me expulsar de dentro do carro!

O sol de um quarto para as quatro me lembrou o sol de Maceió: limpo, pouco intenso ao queimar a pele, muito intenso em marcar emoções. Sinto a cidade como se fosse um corpo. Obrigada pelas aventuras, Évora.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Palco de Areia


A fotografia do rosto das duas únicas crianças que assistiam a peça infantil foi ímpar. No início estavam entendendo nada. Procuravam o olhar de aprovação da mãe. Seus rostos estampavam uma variação entre a chatice que muitos sentem quando se fala em uma obra contemporânea, e a ironia no olhar de quando comentam sobre uma obra da Joana Vasconcelos.

A areia pode ser mágica em mãos hábeis. Pode ser simples brincadeira de sujar, ou, pode ser a poeira das estrelas. E essas estrelas podem ser tudo o que você deixou para trás dentro daquela caixa, a caixa das coisas atiradas e esquecidas, das coisas de antes de crescer, de antes de ser o adulto que acreditas que és. A areia pode ser o elo da memória da caixa, um disparador de sentir. E assim, no piscar prolongado dos olhos, jogada sobre o palco inclinado do Teatro de Évora que muito me lembra o Teatro São Pedro - com a saudade das ruas que não andei de Porto Alegre! - reencontro a criança perdida. A areia que sujou minha meia calça castanha e teimou em acompanhar meu braço, a areia fina e amarela-pálida, a areia que podia ser vidro, podia estar corrente nas águas desse planeta tão pequeno, estava ali, toda para mim, tal e qual eu para ela. Despida das preocupações do que os outros poderão achar, aceito a brincadeira e prolongo ainda mais meu piscar combinado com o toque suave deste pó mágico. Quem me conhece reconhece meu prazer pelo toque!

Texturas.

No carrossel instantâneo que congestionou meu espírito, transitei entre as águas cor de chocolate do mar de Tramandaí, a cancha de bocha da Ponte de Arame, e o crepúsculo do céu ao entardecer em Itapuã - que não é a do Toquinho e do Vinícius, mas onde vadiei alguns dias, ouvi as ondas quebrarem, falei de amor e também argumentei com a doçura de uma cachaça rolha. O sol que arde sob o breu de um palco de areia. Palco inquieto, irreproduzível, avesso. Palco para encandear lembranças.

Apague as lâmpadas dos olhos.
O jeito da sua escuridão me acalma.

A quantidade de pessoas continuava exatamente a mesma do início da peça, assim como as pessoas, que eram as mesmas. Porém, tínhamos no mínimo mais umas cinco crianças ali. A cada passo da atriz, um mar de possibilidades. As crianças de idade esqueceram a atriz, pois a areia é um fenômeno sem concorrência. As crianças que foram ali evocadas ficaram na expectativa, na observação, no apreciar da cena, esquecidos de suas idades e de suas vidas além daquele instante. O que ela vai fazer agora? Era uma dança bêbada de espalhar e recolher tábuas quadradas, que quando estavam empilhadas formavam uma caixa cúbica. O desempilhar, desenroscar, desordenar. O sujar, o experimentar, o evocar. O recolher. Maternal e furioso de repente! Um barco cúbico surge dentre as tábuas. Eu naveguei. Não esperei um grande final, pois o que arrecadei no durante foi mais que o suficiente. As luzes que eram poucas já se foram.

Tô sozinho aqui e tenho medo de fantasma.
Deixa eu dormir na sua casa?

Fragmentos da música "Deixa eu Dormir na sua Casa"
Banda Mais Bonita da Cidade

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Uma forma de se importar - Lyer



O gerente foi recebido na loja Empório da Festa com energia. Todos os funcionários saudaram de bom humor quando viram que Caio voltara das férias em plena quarta-feira. Ele aspirou o ar sempre perfumado do lugar com sentimento de volta ao lar. Caio adorava trabalhar ali.
- Achei que só ia chegar na segunda que vem - gritou a bonita mulher de cabelos rosa atrás do grande balcão no fundo da loja.
- Sabia que a surpresa iria encher seus coraçãozinhos de alegria! - Caio piscou para ela, formando um coração com as mãos e o movendo como que batesse em seu peito.
Todos riram e Verônica fez que não com a cabeça. Ambos tinham alguns anos antes dos 30 e eram amigos desde que se conheceram naquela loja.
Caio foi para o vestiário masculino e colocou seu uniforme branco com detalhes em verde, com seu nome bordado no peito e o símbolo da loja de presentes. Ao retornar a loja, viu um rosto conhecido em frente ao balcão. O homem em roupas sociais ajeitava um montinho de papeis para colocar dentro de sua maleta. Tinha o rosto cansado e olhar distante, como sempre.
- Shade! - Caio o cumprimentou - Quem é vivo sempre aparece!
- Ah, e aí? - Shade lhe deu um sorriso triste - Só recolhendo algumas notas. Voltou das férias, é?
- Sabe como é - Caio levou a mão ao queixo, fazendo pose de séria reflexão - Minha simples presença aqui parece fazer nosso lucro subir.
- Não tem como negar - ele riu - Vi algumas velhinhas passarem dando um suspiro de saudade para loja.
- Anda fazendo alguma coisa interessante? - Caio apertou os olhos para ele - Conheceu alguma garota interessante?
- Só o de sempre - Shade terminou de guardar suas coisas - Nada de interessante…
- Ok - disse Caio, decepcionado - Seu aniversário é nesse sábado, né?
- É? - o outro riu, levemente sem jeito - Acho que sim. Como você lembra dessas coisas?
- Tsc tsc - Caio balançou a cabeça em reprovação, então martelou as palavras no balcão com o nó do dedo - Vamos festejar essa sexta, pra comemorar desde o primeiro segundo.
- Eu não acho que…
- Tem coisa melhor pra fazer? Duvido muito - Caio piscou para o amigo - Vou arranjar algumas companhias de verdade. Eu te aviso quando decidir o lugar, ok?
- Ok.
Eles se despediram e Caio observou enquanto Shade ia embora. Sentiu que estava ignorando alguma coisa e de repente percebeu olhos o observando. Olhou lentamente para a direita e viu um rosto de boneca em tamanho real o fitar com desinteresse mórbido. Uma garota de cabelo branco e mechas verdes o encarava com monotonia, sentada em uma cadeira atrás do balcão, no caixa mais próximo da parede. Não tinha como ela ter passado por ele sem ele notar, ainda mais estando tão perto.
- D-de onde você saiu? - Caio sorriu, perplexo.

sábado, 10 de setembro de 2016

Sobre a vida em São Paulo

Antes de vir para cá ouvi tanto falar de São Paulo. De bem e de mal. Sobre pessoas frenéticas, que não te olham, não ajudam, uma selva de pedra onde as pessoas se matam por um teto, um emprego ou uma liquidação. Sobre festas incríveis, quando e onde quiser, com pessoas das mais diversas e sem rótulos, de programações culturais variadas e da pluralidade de gente que vem parar aqui procurando uma oportunidade. É, todos os comentários são um pouco verdade. Hoje, tendo o semestre a milhão na UNIFESP posso reparar que quem sobreviveu em Porto Alegre, mais especificamente na UFRGS, consegue sobreviver aqui. As pessoas são frias? Talvez, mas é a frieza normal de desconhecidos. Meus julgamentos sobre as pessoas e as facilidades de teto e emprego com toda certeza são influenciadas pelas minhas experiências. Quando solicitei a mobilidade acadêmica estava aberto o edital do Programa Santander pela UFRGS, que me garantiu 500 temers mensais para ajuda de custo e logo também comecei na minha bolsa de IC, que me garantem mais 450 temers, e ainda tem um auxílio para moradia, alimentação e transporte de 586 temers que logo sai o resultado, e me encaixo nas especificações de pobreza, então, tenho fé. Levando em consideração que moro razoavelmente perto e em dias e horários de sol, vou a pé para o campus e lá almoço no restaurante universitário, tenho uma renda razoável para sobreviver na terra da garoa. Claro que juntei um dinheiro para emergências e pretendo não ter que mexer nele, mas acho essencial ao menos essa medida quando topamos uma aventura sozinha em terra desconhecida. Sei que meus textos ainda descrevem Porto Alegre, pois deixei muita coisa lá. Não visitei muito esta cidade cinza, mas conheci um pouco de seu verde. O Parque Iberapuera é incrível e gigante, muito maior que a Redenção, e tem um museu bem no meio. Sobre o ar, sim, você enxerga o ar que respira. Bem, isso é um exagero, mas seu nariz sente sim a diferença, tanto que não consigo dormir sem tomar um remédio para respirar melhor. Ainda não experimentei o trânsito congestionado. Quando preciso fazer algum caminho mais longo, usamos o Uber que aqui se mostra uma opção barata e segura... Bem, estou pensando em fazer um blog apenas com estas experiências, contando coisas daqui, com fotos e dicas, mas por enquanto prometo novas histórias.