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terça-feira, 19 de abril de 2016

Dona do Mundo

Numa empresa de programação acontecia um fenômeno interessante. Tal fenômeno ocorria além da percepção das pessoas que lá trabalhavam e, alheias a ele, as pessoas seguiam suas vidas traçando seus próprios destinos. Ou isso elas achavam. Mas entre essas pessoas estava alguém especial. Alguém que, mesmo alheio ao que ocorria, não se curvava a sua mercê.
O homem tinha cerca de trinta anos. Tinha cabelos escuros sempre desalinhados e olhar sonolento. A barba por fazer remetia a um período complicado em sua vida. No caso, o atual. Com sua mãe recentemente falecida, Luke se desapegara de muita coisa ao seu redor. Se irritava facilmente e várias vezes se pegou pensando em fugas de seu dia-a-dia. Era numa possibilidade dessas que sua mente brincava, pairando sobre a ideia como o movimento distraído de seus dedos a mover um cubo de açúcar em sua mão.


Ele estava sozinho na pequena sala da pausa, preparando um bule de café na cafeteira, quando uma garota de cabelos ruivos entrou. Sardas e olhos azuis, o kit completo. Ela era muito bonita. Luke olhou para ela com leve tédio e em seguida voltou a se perder em seus pensamentos. A garota depositou sua própria xícara na bancada e olhou em volta, parando para analisar o pote de açúcar com um único solitário cubo no fundo.
- Ah! - fez ela - Eu sempre tomo café com dois... Me dê o seu.
Luke voltou sua mente a sala um pouco desnorteado, ao perceber que ela se referia ao cubo de açúcar na caneca dele. Ele ponderou sobre aquilo um tempo. Havia manejado aquele cubo algum tempo, antes de jogá-lo para dentro da caneca. Aquele cubo lhe pertencia, como se o tivesse domado. Não queria abrir mão dele, por isso suspirou.
- Deve haver outro pote na despensa - respondeu ele, pegando o bule para se servir.
- Não! - a garota segurou sua mão, parecia incrédula com a atitude dele - Me dê esse aí!
Luke deu um sorriso torto de sobrolho levantado, igualmente incrédulo. Serviu seu café quando ela o soltou e ainda pinçou o último cubo do pote, colocando-o na boca.
- Tenha um bom dia, senhorita - disse ele se afastando com sua xícara.
A expressão dela foi impagável.
De volta a seus afazeres, tinha dezenas de planilhas e programas genéricos para finalizar. Dezenas essas que triplicaram nos dias seguintes. Luke não reclamou. O carma sempre cobrava pela diversão. Mas, mesmo sabendo disso, ele estava irritado.
Dois dias se passaram, até ele e seu colega de sala estavam se dirigindo ao estacionamento a noite, após o trabalho. Luke tinha uma moto e Toni morava mais ou menos no caminho, assim, em troca do poder da amizade, Luke dava carona a Toni. Nessa noite em questão, eles encontraram a garota ruiva no corredor de saída.
- Olá - disse ela para Luke - Se não é o valentão que se aproveita de mocinhas indefesas!
Toni ergueu o sobrolho para Luke e ele deu de ombros, cansado. Havia esquecido do incidente.
- Desculpe por aquilo - Luke respondeu - Não estou muito bem de humor ultimamente.
- Eu ouvi falar - concordou ela - Tudo bem! Eu vi que você tem uma moto muito bonita. Pode se desculpar me dando uma carona.
- Oh - Luke suspirou - Eu sinto muito, mas Toni…
- Você pode ir de ônibus ou taxi, não pode? - ela sugeriu a Toni.
- Claro - disse Toni, sobre um olhar carregado de Luke.
Tentando se decidir se o amigo estava tentando o deixar em maus lençóis, Luke concordou.
- Se ele não se importa... Bem, eu sou o Luke.
- Sara - ela sorriu.
Asim, eles se despediram de Toni e Luke a levou para casa. Durante a viagem, Sara envolveu Luke num abraço apertado. Afetuoso ao ponto de deixá-lo desconfortável. Em dez minutos, chegaram ao prédio de Sara. A julgar pelo porteiro, Luke avaliou que o apartamento de Sara era bem caro.
- Bem - ela disse, tirando o capacete - É aqui. Quer um café? Eu tenho bastante açucar.
- He - ele riu - Desculpe, eu tenho compromisso hoje. Prometi de passar a noite na casa da minha namorada.
- Oh - fez ela.
- Ela tem um xbox... - ele deu de ombros - E já capturou mais tipos de pokemon do que deveriam existir. É difícil competir.
Ela sorriu, parecendo decepcionada. Desceu da moto e ele prendeu o capacete, acelerando sem sair do lugar.
- Até mais - despediu-se ele.
- Hum.
O caminho até a casa de Bianca pareceu muito curto. Provavelmente porque ele o fizera muito rápido, cortando o transito e acelerando o máximo que o bom senso lhe permitia. Quase como se ele fugisse de Sara, querendo se afastar o máximo possível daquela mulher assustadora. O xbox foi sumariamente ignorado aquela noite e Luke e Bianca por várias vezes tiveram momentos quentes, ofegantes e molhados.
Era uma segunda-feira, três dias depois da carona. Luke passara os dias andando com cautela na empresa, mesmo assim topara com Sara todas as vezes que se aventurava pelos corredores. As vezes ela lhe dava um sorriso, outras uma piscadinha. Mas as idas à sala de café eram as piores, pois estava indefeso enquanto preparava seu café, acessível a uma conversação. Por isso Luke estava evitando até mesmo sair de sua sala. O que não parecia cooperar era o fato de cada vez ter menos coisas para fazer. Uma maré de projetos tão fáceis que chegavam a ser irritantes havia inundado sua mesa e estava encarando havia algum tempo o plano de fundo do computador, após terminar o último.
Então seu celular vibrou e Luke o agarrou imediatamente. Uma mensagem de Bianca dizia algo que ele teve de reler várias vezes antes de conseguir processar. Era um texto grande, cheio de citações como ela gostava de fazer. Um texto com explicações e retórica impecável. Um texto que, em resumo, era: “Estamos terminando, não me procure mais”.
Luke largou o celular na mesa devagar. Em seguida pressionou ambos os olhos com os dedos, buscando respostas àquilo. O que poderia ter feito para motivar aquilo era uma incógnita. No dia anterior, mesmo eles passaram o dia todo juntos, curtindo o frio abraçados no sofá. Ele jogando Call of Duty enquanto ela jogava Pokemon. Repassou os diálogos. As interações. Nada justificava aquilo. Pegou novamente o celular. Depois da mensagem Bianca o havia bloqueado. Luke ligou para Rafael, o irmão dela, depois de ela não o atender por várias vezes seguidas.
- Se ela fez isso ela tem um bom motivo - foi o que ele disse.
Com a cabeça dando voltas, ele saiu da sala. Precisava de café urgentemente. Quase não notou quando Sara o cumprimentou.
- Ah, oi - disse ele.
- O que foi? - ela parecia preocupada - Parece abalado. O que aconteceu?
- Ah - ele fungou - Bem... Bianca terminou comigo... De um jeito escroto.
- Sua namorada? Nossa! Como assim?
Luke explicou o que acontecera. Não estava pensando muito bem e Sara serviu para ele organizar as ideias.
- Almoce comigo hoje - disse ela, enquanto ele sorvia pequenos goles de café - Podemos falar disso melhor.
- Não - disse ele, distraído - Vou ver Bianca na hora do almoço.
Se tinha fez algo, ele pensou, deveria tentar corrigir o mais rápido possível. Assim, quando a hora chegou, Luke acelerou em direção à casa de Bianca. Subiu os degraus do prédio de dois em dois sem esperar o elevador, chegando no quarto andar e batendo a porta de Bianca. Mas quem atendeu foi Carlos, um sujeito um pouco mais alto que Luke que usava roupas hipsters bastante coloridas. Ele mostrava a palma de uma das mãos para o peito de Luke, como que pedindo para que ele se acalmasse.
- Eu preciso falar com a Bianca - suplicou Luke - Eu tenho que entender isso direito.
- Ela não quer falar com você - disse Carlos - Olha, Luke. Não é sua culpa, ok?
- Mas que merda está havendo? - Luke entrou no apartamento esbarrando em Carlos - Bianca!
Ela estava sentada no sofá e o olhou, nervosa.
- Não temos mais nada pra tratar - ela adiantou.
- Bianca... Quase três anos... e acha que uma mensagem...?
Ele tentava formular seu raciocínio, mas a raiva crescia em sua mente. Buscava uma razão para aquilo tudo e Bianca não parecia querer ajudar.
- Luke... - ela também buscou por palavras sem sucesso.
- Luke - chamou Carlos, segurando seu ombro - É complicado…
- Mas que…? - ele virou-se para ele - O que é complicado? Qual o problema? O que aconteceu?
- Como eu disse na mensagem… - Bianca continuou - Eu repensei várias coisas. Considerei muitos fatos... Eu não quero mais mentir pra você.
- Hã?
- Bianca e eu... - disse Carlos - Nós resolvemos assumir... Conversamos bastante e decidimos isso juntos.
- Hã?! - Luke arregalou os olhos pra ele, franzindo o cenho ainda mais ao ver Bianca concordar com a cabeça.
- Você sabe que eu e Carlos eramos amigos de infância - ela levantou para encará-lo de frente - Sabe que fomos um o primeiro beijo do outro.
- Isso é... - Luke soltou uma risada perplexa - Você não pode estar falando sério. Carlos? Não precisam fazer isso... Olha... Mas que merda! Apenas digam o que aconteceu!
- Essa é a verdade - Carlos pôs-se ao lado de Bianca e segurou sua mão, eles estavam sérios, sem um pingo de hesitação que indicasse uma farsa - Estávamos juntos esse tempo todo também.
- Bianca... - Luke suplicou - Mesmo que seja verdade... - a cena de um mês atrás ainda estava dolorosamente nítida em sua mente, ele se segurou nessa lembrança como um náufrago agarrado a um pedregulho - Você disse que me amava...
- Eu amei - ela disse, impiedosamente - Mas eu escolhi o Carlos.
Carlos apertou a mão de Bianca contra o peito, olhando para Luke com uma expressão altiva. Luke sentia um vazio no peito e o rosto quente. Ele riu sem vontade, pressionando os olhos com os dedos e balançando a cabeça em negação. A próxima coisa que fez foi quebrar o nariz de Carlos.
Algumas horas depois, Luke sentiu a brisa noturna ao sair da delegacia. De olhos fechados e o rosto voltado para o céu, ele repassou o que tinha ocorrido. Ele havia perdido as estribeiras e partido pra cima de Carlos. Ele o havia derrubado e lhe socava com raiva enquanto Bianca gritava e tentava apartar. Um vizinho havia vindo separá-los, depois veio a polícia e assim por diante. Fora liberado em pouco tempo, pois as queixas foram retiradas.
Ele caminhou de volta até a casa de bianca, não muito longe, para recuperar sua moto. Com uma olhada de viés para a janela de Bianca, ele partiu. Andou por algum tempo, estranhamente, conseguia pensar melhor enquanto guiava, e parou finalmente em frente a casa de seu irmão. Subiu até o apartamento dele e bateu na porta. Felipe atendeu, um rapaz de uns vinte anos, bonito, apesar das olheiras, com o cabelo preto caindo sobre os olhos em completo desalinho. Basicamente, uma versão menor de Luke. Ele parecia estar sempre irritadiço, mas dessa vez estava um pouco mais que o habitual.
- Eu ouvi sobre o que você fez - disse ele a Luke - Ele merecia.
- É… pois é. Eu queria falar com você... sobre isso.
- Claro, entre - Felipe saiu do caminho da porta.
Desorganizado era uma palavra que se enquadrava até certo ponto, pois era o que pareceria a uma pessoa de fora. Mas Luke sabia, como programador e como irmão, que Felipe conseguia se encontrar naquilo tudo. O rapaz indicou para Luke sentar em uma poltrona e se dirigiu até sua cadeira em frente ao notebook, onde prosseguiu com linhas e mais linhas de código com uma velocidade absurda.
- Eu sei - disse Felipe, notando que Luke encarava seu trabalho - Arrumo um erro e surgem dois outros novinhos. Eu não estou me concentrando direito, mas é a única coisa que tem me distraído.
Luke mordeu a língua àquela desenfreada e caótica estrutura que ele montava e resolveu focar no motivo de sua vinda.
- Carlos terminou com você... abruptamente, não foi?
- Hum - confirmou Felipe, sem tirar os olhos da tela - Eu queria ter feito o mesmo que você, mas aquilo... Me pegou tão de surpresa - Felipe socou o botão enter depois de mais um detalhamento de erros e esfregou os olhos com raiva - Quer café? - ele se levantou e foi até a cafeteira na bancada que separava a cozinha da sala.
- Café... - não era possível - Não, obrigado - sua mente maquinava - O que ele... Qual foi a explicação?
- Aquela vagabunda da sua... ex-namorada... Amigos de infância e o caralho. Eu não consegui acreditar. Todo esse tempo... Ele disse que só ficou com ela quando eram pequenos porque não queria ser diferente, sabe? Ele mentiu pra MIM - Felipe bufou para sua xícara, murmurando algo como “espero que morram”.
- Olha, Felipe… - Luke tentou acalmá-lo - Eu acho que tem algo muito errado nisso tudo.
- Ah, você acha? - ele o encarou como se Luke fosse um idiota, mas abrandou a expressão - Como assim?
- Eu andei pensando... Bem... Eu não sei. Pode ser coincidência, mas…
- Do que está falando?
- Essas coisas... Bom, deixa pra lá... - Luke se levantou e se despediu - O que você me disse ajudou a esclarecer um pouco, obrigado. Tenho que ir agora.
Felipe franziu o sobrolho, mas acenou com a cabeça em despedida. Luke foi para casa tentando processar tudo o que havia ocorrido. Demorou bastante a dormir, com a cabeça buscando respostas. No dia seguinte, seu chefe o cumprimentou como se ele não tivesse ido almoçar, desaparecendo sem notícias. Como esperava, Luke tinha bem pouco trabalho e Toni estava se escabelando com o dele, recusando-se a dividir. Depois de dar andamento a suas coisas, Luke se levantou e foi em direção à porta da sala, para ir tomar café. Pela fresta, enquanto a fechava, vislumbrou Toni sacar seu celular e enviar uma mensagem. Calmamente, ele caminhou até a sala do café e pôs-se a preparar uma xícara. O vislumbre de madeixas ruivas já era esperado.
- Olá! - Sara o saudou alegremente.
- Oi - Luke respondeu, num tom bem distante do dela.
Radiante era uma boa palavra para definí-la. Sara estava linda, ele não podia negar, tão bela que ele ficou irritado.
- Eu soube do que aconteceu ontem - ela comentou inocentemente, enquanto preparava café para si - Você espancou o amante da sua namorada e foi... preso?
- Soube, é? Sim, foi algo assim.
- É incrível o que as pessoas escondem, não é? Eu fiquei de queixo caído. Você falava como se vocês se dessem tão bem…
- Pois é... Não se pode confiar nas pessoas.
- Sabe, Luke - ela lhe deu um olhar maroto - Você devia descansar um pouco. Se distanciar dessas coisas. Eu comprei um PS4! - ela fez uma cara de dar pena - Mas não faço ideia de como se monta... Ou de como se joga. Se você não tiver nada pra fazer…
- Hm - ele fez, bebendo um gole demorado - Tudo bem, podemos fazer isso hoje. Pode ser?
- Claro! - ela quase deu um pulinho - Eu te espero no fim do expediente, ok?
Eles se despediram e Luke voltou para sua sala. Toni tentava conciliar dois comandos conflitantes enquanto Luke o fitava friamente de olhos cerrados.
- O que foi? - perguntou Toni, rindo.
- Você tem avisado Sara das minhas saídas?
- Sim.
Luke ficou espantado com a facilidade dele ter revelado aquilo.
- Por quê? - Luke questionou.
- Ela pediu.
- E...? - ele insistiu, já que ele não continuara.
- E? Ela pediu e eu fiz. Qual o problema?
- Você... Toni, isso foi antes ou depois da Bianca terminar comigo?
- Antes.
- Por quê? Por que você fez isso?
- Por que ela pediu! - Toni o insistiu naquilo, como se o fato dela ter pedido explicasse tudo.
Luke o olhou, atônito, enquanto Toni voltou a programar.
- Ela também te pediu pra fazer isso?
- O quê? - Toni encontrou o erro em sua fórmula.
- Deixar apenas os pedidos mais fáceis pra mim?
- Sim - ele respondeu com naturalidade.
- Toni… - Luke disse devagar - Tem alguma coisa que eu precise saber sobre Sara?
- Como assim?
Ele suspirou.
- Ela é alguma parente do dono da empresa?
- Não.
- Ela é a amante do dono da empresa?
- Não que eu saiba.
- Ela te prometeu alguma coisa? Ela é filha de algum mafioso? - Luke estava ficando irritado - Ela te ameaçou de morte ou algo assim?
- Claro que não! - Toni riu.
- Você está me dizendo - Luke disse muito calmamente - que só fez o que ela mandou porque ela pediu? É isso?
- Sim! - Toni olhava para Luke em tom de suplica - Eu não entendo qual o problema, Luke.
- Vou no banheiro - Luke saiu da sala, dessa vez, Toni não pegou seu celular.
Ele foi até a sala do chefe, bateu e entrou. O homem simpático e calvo o cumprimentou e voltou sua atenção para as planilhas em seu monitor.
- O que posso fazer por você, Skywalker? - o chefe lhe fez a mesma piadinha sem graça de quando o contratara.
- Sara te disse pra fazer alguma coisa?
- Ah, sim - ele anotou acrescentou alguns números na planilha - Pediu para que eu pegasse leve com você.
- Sei... - Luke estava com vontade de socar cada um deles, ao mesmo tempo que se sentia apavorado - E você obedecer não tem nada de estranho, não é?
- Como assim? - ele continuava digitando distraidamente.
- Deixa pra lá, vou usar seu telefone.
Sem esperar resposta, Luke teclou o número de Bianca no telefone fixo da mesa do chefe.
- Oi, sou eu - disse quando ela atendeu.
- Luke? Eu…
- Sara mandou você terminar comigo? - ele a cortou.
- Quem é Sara?
- Alguém te mandou terminar comigo? - ele reformulou, ficando nervoso.
- Sim. Eu recebi uma ligação de uma mulher.
- O que mais essa mulher pediu?
- Hm... O telefone de um amigo próximo... Alô? - Bianca encarou confusa o telefone, depois de Luke ter desligado.
Ele não voltou para sua sala. Ele saiu do prédio e correu com sua moto por várias horas. Queria pensar em algo que pudesse explicar aquilo. Precisava pensar.


Sara ficou o resto da tarde sem notícias. Estava inquieta, sem conseguir se concentrar em nada por muito tempo. Luke costumava ir a sala do café ao menos três vezes por dia e, desde antes do almoço, Toni não havia informado mais nenhuma. Quase na hora de sair ela mandou uma mensagem a ele e ele respondeu que não sabia onde Luke fora. Ela havia ficado tão feliz dele ter aceito o convite, o que será que tinha acontecido? Seu rosto se iluminou num sorriso ao sair do prédio com o término do expediente e ver Luke a esperando.
- Dia difícil? - perguntou ela ante a expressão carregada dele, tentando esconder sua excitação.
- Dia interessante - ele respondeu, desviando o olhar - Vamos?
Ela pôs o capacete e pulou na garupa da moto alegremente, o envolvendo num abraço carinhoso. Ele magro, mas sentiu os músculos dele se destacarem através do tecido. Ele tinha um cheiro tão bom e era tão precioso para ela. Imersa em suas fantasias ela se assustou quando percebeu que não estavam indo para casa dela. Sara o apertou mais forte, sentindo a velocidade. A sensação de medo dividia seu peito com o a excitação, sentimentos que ela não experimentava havia muito tempo.
Finalmente ele parou em meio a depósitos no cais. Era quase noite e não havia mais ninguém. Sara tirou o capacete e desceu da moto, chegando perto da beirada de concreto que se erguia do mar. O sol se punha lindamente enquanto ela sentia o coração bater animado. Virou-se para Luke, sorrindo para seu cenho franzido.
- Isso é inesperado, mas muito romântico! - ela disse.
- Não é o que está pensando... - ele retrucou, irritado - Te trouxe aqui porque eu quero respostas.
- Como assim? - ela pendeu a cabeça para o lado, depois sorriu - Pra você, as respostas sempre serão sim!
- Tss - ele fez, bravo - E que tal me responder que merda está acontecendo aqui?
- Hã? - ela não conseguia parar de sorrir à expressão dele.
- Como...? - Luke se aproximou furioso - Como você fez isso?
- Isso o quê? - pendeu a cabeça para o outro lado, admirando o quão ele era adorável.
- Você fala pras pessoas fazerem coisas... - ele a olhava perplexo buscando palavras - E elas não veem nada de estranho em obedecer! Como isso é possível?
- Ah, isso - ela deu de ombros, voltando-se novamente para o pôr do sol - Como eu vou saber?
- O que…?
- Olhe - ela o olhou por cima do ombro - Desde que conheço por gente, sempre que eu digo pra alguém fazer algo, isso é feito. Ninguém nunca questionou - Sara tocou o rosto de Luke com ternura - Até eu conhecer você!
- Hã? - ele deu um passo atrás, querendo se distanciar daquela bruxa.
- Ninguém, Luke! - ela fez um gesto amplo, se referindo ao resto do mundo - Me dê isso, faça aquilo, pense assim! Ninguém nunca desobedeceu! E um belo dia você negou! Você percebeu! Você questionou!
- Isso é impossível…
- Não importa o que seja, Luke! Você não entende? Eu posso fazer o que quiser! Mandar em quem quiser! E ninguém vai achar isso minimamente estranho!
- Eu... Eu entendi! - ele levou a mão a testa, ele tinha pensado naquilo, mas havia nutrido a esperança de que estivesse errado. Era maluquice - Mas... Por que…?
- Por que você? - ela riu, encantada - Ora, não é óbvio? Que graça tem em viver num mundo onde todos vivem pra me servir? Um mundo sem dificuldade nenhuma?
- Você estragou minha vida!
- Eu posso te dar uma vida de rei! Posso te dar tudo o que quiser!
- Você não tinha o direito…
- Não tinha? Encontre alguém que descorde!
- Eu não pertenço a você! Não pode me fazer o que bem entender!
Ela avançou e lhe beijou. Luke a afastou, horrorizado. Estava assustado e tremendamente irritado, mas nunca faria mal a uma mulher, mesmo ela sendo aquele demônio.
- Você pode não concordar, Luke - ela continuou, com um sorriso maníaco - Você não é meu, mas eu sou dona do mundo! E esse é o único mundo que você tem!
Ele caiu sentado quando ela tentou beijá-lo novamente, ela se agarrou a seu pescoço num abraço possessivo.
- Eu não sou seu! - ele murmurou.
- Não! Claro que não! Isso não é maravilhoso?
Ele se desvencilhou dela e subiu em sua moto, dando partida imediatamente sem se preocupar com nada. Então ele fugiu, abandonando-a no cais. Abandonando a cidade. Abandonando tudo. Em sua mente a risada de Sara e as palavras que ela lhe dirigira antes que ele fosse embora ecoavam:
- Não tem como fugir do mundo!

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