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domingo, 27 de março de 2011

Na Cabana


Fomos pra uma praia da Lagoa dos Patos no verão. A mãe, o pai, eu e minhas amigas Taiany, Mary e Aline. Chegamos numa cabana linda, que ficava na terceira parte da cidade.

A cidade era pequena, dividida em três partes: a primeira, onde fica o velho engenho e a Praia do Caramuru (a parte mais antiga da cidade); a segunda, do lado de cá do Arroio Velhaco, onde fica o centro e a figueira mais velha do Rio Grande do Sul; e a terceira, onde está começando um loteamento (antes ali só existia mato, muito mato e uma ponte).

O pai tinha reformado toda a cabana, pois ela foi construída antes de existir cidade ali. Na varanda do meu quarto eu pegava uma brisa ótima, olhava pra rua da frente, pra um bar que tinha, enquanto as gurias ficavam tentando achar sinal pro celular e pra internet. Almoçamos e contamos muitas histórias, desde de bolsa de valores, política do Brasil, assaltantes de carros, romances, vídeos do you tube e desenhos animados. O tio Paulo chegou bem na hora da sobremesa, todos comemos uma ambrosia que a mãe tinha trazido de casa. Ele convidou o pai e a mãe pra ir pra lagoa e as gurias já se escalaram pra ir junto. Eu preferi tomar um banho antes, pois estava cansada da viagem e sabia que se eu fosse junto naquela hora, só tomaria banho às 3 da madruga, quando chegássemos em casa, pois convites e lugares pra ir não iriam faltar. Fui com eles até o portão e fiquei ali na sombra, vendo eles sumirem do meu campo de visão.

Quando parei de olhar pro nada, percebi estar sendo observada. Era um cara alto, possuidor de certo charme, uns 3 ou 4 anos mais velhos que eu, cabelos castanhos médio e uma barba que dava peso ao semblante de bom moço. Senti-me surpresa e sorri. O homem levantou-se da mesa com um copo na mão, venho vindo na minha direção, também sorrindo. Ele estava perto, mas usou a sombra das árvores que eu estava como pretexto de chegar mais perto ainda. Falou do calor, do forte sol escaldante das 3 da tarde e se apresentou, Deivid era seu nome. Lembro com perfeição a voz marcante daquele garoto, também lembro do sorriso de propaganda de creme dental que tinha, o qual me hipnotizava. Contou que se criou no Caramuru, estudou até a 8ª série ali na cidade mesmo, e que viu o velho Engenho ser fechado...

- Até que me mudei para Camaquã, -disse ele - pra terminar os estudos. Depois fui pra Porto Alegre fazer faculdade, passei pra contábeis na UFRGS. O povo lá de casa tava todo prosa, pois eu ia ser o 1º da família a ter um canudo, mas eu tava feliz mesmo porque ia morar na capital, na civilização, solito! Lembro a primeira vez que fui ao cinema, foi um filme de terror, “A Bruxa de Bler”... Mas falando em bruxa, você não tem medo?

Nessa hora a minha cara de abobada ficou surpresa, pois eu não tinha entendido a pergunta. Então Deivid resolveu me contar toda a história desde o início. Contou que há muito tempo atrás, nesta cabana, morava uma mulher chamada Dalva. Ela era uma espécie de curandeira do lugarejo. Sempre tinha as poções certas, o carisma certo, as palavras certas. Era uma mulher muito bonita, mas ninguém sabia sua idade, só se sabia que tinha mais que 35, porque seu filho mais velho tinha 23 anos. Ela tinha o homem que quisesse na sua mão, porém preferia viver na sua cabana, no meio do mato, sozinha, apenas com seus dois filhos. Protegia seus filhos de qualquer mal. Protegia até demais. Tinha muito ciúmes deles, pois ela foi expulsa de casa grávida e deu duro pra ter um teto, pão e leite, por isso acreditava ser dona dos garotos. Ela não percebia que eles já eram adultos.

O mais velho estava de namoro com a filha de um fazendeiro. Ele levou a garota pra cabana enquanto Dalva ia à cidade. Só que ela voltou antes do previsto e viu os dois juntos. Foi a primeira vez que se falou de alguma exaltação da Dalva. Ela expulsou e amaldiçoou a garota. Disse que enquanto o coração do filho dela quisesse estar longe da cabana, o que corria nas veias da garota não ficaria mais dentro dela. A namorada do filho da Dalva tossiu sangue durante uma semana e morreu. O fazendeiro, certo da bruxaria não pensou duas vezes e caçou Dalva como se caça veados. Ela foi morta e queimada. Percebeu-se na cidade que os filhos da Dalva também haviam desaparecido e resolveram entrar nesta cabana aí. Deivid olha pra cabana com ternura e angústia. Continua contando que quando entraram no sótão, os homens nada viram, mas uma garota de 7 anos viu o filho mais velho, caído num canto, desacordado. Tiraram o moço de lá. Ele se mudou pra São Paulo, pra uma cidadezinha onde um primo médico dele estava morando. A cabana ficou aqui sem ninguém entrar durante muitos e muitos anos e a cidade veio avançando cada vez mais. A filha do dono do bar da frente devia ter uns 6 ou 7 anos quando foi brincar de esconde-esconde com as amiguinhas. Foi se esconder no sótão e achou o filho mais novo da Dalva... vivo, com aparentemente 20 anos de idade! A surpresa foi gigante e a fofoca da cidade foi maior. Deivid me contou que a cabana foi a leilão depois de uns 6 anos que isso aconteceu. Então ele me perguntou de novo:

-Você não tem medo? – ele olhou pra cabana.

Respondi a ele que não tinha motivo pra temer nada. Que meu pai reformou tudo, lavou tudo e que também toda essa história deve ter sido exageradamente aumentada de geração em geração. Perguntei para o Deivid como ele sabia tudo aquilo e com toda aquela riqueza de detalhes. Ele me desconversou dizendo que a cerveja dele já estava quente, pediu que eu o esperasse onde estávamos. Tentei desconversar ele com o argumento de pegar uma cerveja na geladeira da cabana, cheguei a convidá-lo pra entrar, mas ele recusou e até se esquivou da idéia de entrar ali e rapidamente atravessou a rua, em direção à porta do bar. Eu esperei por ele. Esperei por uns 15 minutos. Fui no bar e perguntei pro atendente onde estava o Deivid, o cara disse que não conhecia ninguém com esse nome, então falei como ele era, e o cara disse que hoje não teve ninguém parecido ali. Fiquei pensando o que eu fiz de errado para aquele garoto, o que eu fiz para assustá-lo a ponto dele fugir. Entrei pra casa e fui tomar meu banho, pois já estava escurecendo.

Foi sem dúvida o melhor banho da minha vida. Foram 25 quilômetros de estrada de chão, sacolejando dentro do carro e eu já estava sem dormir a uma noite, então foi integrador esse banho. Cantei, refiz contas de matemática, converti números pra binário, tudo no chuveiro. Acabei esquecendo de tudo. Quando fui secar meu cabelo, alguém bate na porta. Era o Edu, um colega de faculdade. Eu fiquei muito surpreendida com aquela visita inesperada, mas feliz, ao menos não estava sozinha, eu só pensava no que diria a minha mãe quando ela chegasse e me visse com um garoto dentro de casa, como eu explicaria que éramos apenas amigos, colegas. Mas tudo bem, disse pra ele entrar. Conversávamos enquanto eu secava o cabelo. Papo vai, papo vem e o Edu me rouba um beijo. Foi um beijo roubado. Um beijo doce e envolvente. Senti-me corar, coisa quase que impossível. Ele percebeu tudo como se estivesse lendo meu pensamento. Às vezes me acho muito transparente, queria ser mais misteriosa. O Eduardo me beija de novo, me abraça e me beija de novo, sendo o último um beijo longo, provocante e reciprocamente amoroso.

Do meu quarto vejo a varanda, dela vejo o bar, no bar eu vejo o Deivid! Como eu estava com a boca temporariamente ocupada, preferi apenas observá-lo e mostrar que ele foi idiota em me esnobar. Ele balançou suavemente a cabeça para os lados, com ar de desaprovação e gritou “depois não diga que não te avisei!”. Eu nem dei bola pra ele. O que eu estava sentindo no momento com o Edu já me bastava. Era algo inexplicavelmente bom e impossível de ser sentido em outro lugar, em outro momento.

De repente, as tábuas, que faziam a mais bela varanda da rua, caem. A tinta branca craquela, mostrando a cor real da madeira. O ambiente aconchegante se transforma... Eu estava tentando mostrar o que estava acontecendo pro Eduardo, mas ele estava cego. Empurrei-o e tentei fazê-lo perceber tudo. Ele me repreendeu e disse que quando ele chegou tudo estava do mesmo jeito. Ele senta no centro de uma cama que ficava na sala, ela era de tijolos. O Edu me chama pra sentar na cama com ele, mas eu prefiri não ir. O assoalho parecia estar ficando fino, prestes a quebrar. Uns barulhos estranhos saem de dentro da cama, ruídos, me atrevo a dizer que eram latidos, uivos. O Eduardo totalmente despreocupado me olha e pergunta como eu fiz esses efeitos sonoros, se tem alguma caixa de som dentro da cama. Eu estava a-p-a-v-o-r-a-d-a!!! A cama vibrava!...

Meu pai me chama e me acorda, pois já eram 8 horas da manhã de sábado. Ufa! Descobri que tudo o que eu vivi não passava de um sonho.

Na noite daquele dia tentei terminar de sonhar o mesmo sonho, queria saber o que aconteceria no final, mas não consegui.

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