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segunda-feira, 28 de março de 2011

Não espere eu ir embora pra perceber


Estava chovendo. Já era início do inverno. Ela desce do carro do seu colega, um Chevrolet Stilo, grafite. Da janela eu a admirava ao som de “Like a G6”, a música que foi sucesso do verão. Mesmo sem saber, ela dançava pra mim. Um sobretudo cinza, um sapato alto vermelho, uma calça jeans skiny azul escuro e uma básica branca, distribuídos em aproximadamente 1,65m de altura. O balanço suave que o caminhar dava aos cabelos compridos fazia exalar o perfume que ela usava. Pena que eu estava longe, atrás do vidro, mas ainda assim sentia seu perfume. Ela saiu correndo com a pasta sobre a cabeça para não se molhar e entrou no seu prédio. Esta foi a primeira vez que a vi.

À noite, chegando no Red Pub, onde eu era barman, não conseguia esquecer a imagem da mulher desconhecida. As noites de sexta costumavam ser agitadas e aquela não foi diferente. Mas foi especial, pois em certo momento da noite, quando olhei para porta, vi fisicamente a mulher que não saia da minha cabeça. Ela e sua amiga sentaram-se à mesa 8, que ficava em um ambiente mais resguardado. Alguns minutos depois chegaram dois homens e também se sentaram à mesa 8. Acredito que estavam se conhecendo, pois tudo tinha a maior cara de primeiro encontro. Prestei atenção neles pelo resto da noite para ver se descobria alguma coisa. Descobri que o nome dela era Luna e que apenas o homem que a acompanhava não trabalhava na mesma empresa que ela, os outros eram colegas. Antes de irem embora, os quatro se dirigiram ao balcão e pediram um drink o qual era a minha especialidade. Por alguns segundos fui o centro das atenções de Luna.

Todos os dias acompanhava o ritmo da vida dela, observando-a pela minha janela. Vi quando eles começaram o namoro. Quando tiveram a primeira briga. Quando fizeram as pazes. Quando ele foi viajar. E quando voltou com uma loira no carro. Ele estava com uma caixa embaixo do braço e foi frio com ela. Ela fingia não estar sofrendo, mas naquele dia apareceu lá no Pub.

Não pude perder a oportunidade de ir lá atendê-la. Fui simpático e puxei conversa. Luna me deu papo, mas em nenhum momento me olhou no olho. Ela estava muito embriagada e já era hora de fechar o bar. Ela me ofereceu carona, dizendo que era muito perigoso andar pela noite escura. Na verdade, era mais perigoso ir com ela, pois nem caminhar ela estava conseguindo. Optei por aceitar. Minha casa ficava duas quadras do meu trabalho. Demoramos 37 minutos para chegar. A mulher parou numa esquina escura e começou a chorar, contando tudo o que tinha acontecido, desde o começo do romance até a aparição da loira. O pior não foi isso. O pior foi que ela vomitou alguns drinks no volante de seu Voyage novinho. Convenci-a a abandonar seu carro ali mesmo, pois caminhar é legal e faz bem pra saúde. Quase a carreguei no colo por diversas vezes. Deixei-a na porta do seu apartamento.

No outro dia, digo no mesmo dia, às 9 horas da manhã, toca o meu telefone. Era Luna, com uma dor de cabeça gigantesca, agradecendo-me pela ajuda. Convidei-a para sairmos no domingo, mas ela recusou, dizendo que iria trabalhar. Por mais algumas vezes a convidei para sair, e todas as vezes ela recusou com alguma desculpa idiota.

Refleti sobre todas as minhas atitudes com esta mulher encantadora. Percebi que desperdicei 9 meses da minha vida com uma mulher que tem medo de se entregar, medo de arriscar, talvez por que eu seja barman e ela uma executiva. Demorei pra perceber, mas ela não era tão encantadora como parecia ser naquele dia de chuva. Demorei uma gestação!

Resolvi sair naquela noite pra não preparar drink algum, apenas para bebê-los. Encontrei uma garota que não era nenhum exemplo de beleza, mas tinha bom papo. No meio da conversa ela me contou que estava me observando antes de eu começar a observar a Luna, mas que nunca teve coragem de falar comigo além de pedir um drink. Para mim, eu nunca havia falado com a Carmem, portanto, ali foi a primeira vez que a vi.

As crianças jogavam bola na rua. A bola ficou presa na sacada do segundo andar. Sai pela porta uma mulher iluminadamente bonita. Roupão bordô de seda, pantufas de sapinho que não combinavam com nada, um cabelo amanhecido perfeito e um sorriso radiante. Ela entrega a bola amigavelmente para as crianças e olha diretamente para minha janela. Vê-me tomando chimarrão e me acena. Esta foi a segunda vez que a vi.

Algumas poucas semanas depois, Luna me liga, convidando-me para sair. Com todo o prazer de 9 meses de espera pude responder pra ela que não poderia ir, pois tinha que sair com uma amiga especial, a Carmem.

2 comentários:

  1. Muuuuuuuito Bom! parabéns! Gosto das suas descrições~e sua linha de raciocínios é perfeita. A passagem de tempo não é cansativa como de muitos textos que leio, pelo contrário, é instigante. Tá de parabéns, evoluindo cada vez mais.

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