O barulho do motor do avião tornou-se mais nítido a medida que se aproximava. Estava em alto mar e o sol mal espiava pelo horizonte azul quando Lucke distinguiu a aeronave. Tinha ensaiado um malabarismo com os sinalizadores, mas resolveu continuar no padrão, para não correr o risco de confundir mais o piloto. Já estava em um barco diferente do usual, por que forçar mais estranheza?
O bimotor deu um rasante, passando a uns 10 metros da embarcação. Lucke observou-o se afastar e dar a volta, dessa vez passando um pouco além do barco e largando uma caixa no mar. Esperou o avião seguir seu rumo de volta de onde surgira. Enfim, acionou a alavanca que recolheu as redes de pesca. Desceu a caixa no convés e amarrou-a seguramente em um canto. Entrou na cabine e rumou de volta ao porto.
Algumas horas depois, contornou o porto, dirigindo-se para a doca 9. Passou ao lado de um enorme navio de carga e adentrou um pouco mais, aos hangares menos movimentados. Desceu a prancha de embarque e empurrou o carrinho de carga com a caixa advinda dos céus. Percorreu o caminho até o hangar 3 e estacionou-a carinhosamente. Sacou um tubo de spray e desenhou algo entre um 6 e um 8 na parte superior. Não sabia o significado real daquele símbolo. Ninguém no porto entendia aquela marca, ninguém no porto via aquela caixa e ninguém no porto xeretava nas coisas do Chefe.
Lucke tivera curiosidade sobre o conteúdo de sua carga desde a primeira entrega, mas resolveu que seria mais saudável espantar aquele tipo de pensamento. Deu dois tapinhas amistosos no caixote e virou-se para voltar ao barco, dando de cara com Anka, uma estudante da universidade. Ela lhe deu um de seus sorrisos irritantes.
- O-o que está fazendo aqui? - soou mais rude do que planejara, entre irritação e temor. Ela alargou o sorriso, indicando o barco com a cabeça.
- Eu estava almoçando aqui perto e reconheci o Máscara Azul - ela olhou em volta, curiosa - e "Olá" pra você também. Está meio longe da doca normal.
Lucke repassou mentalmente os lugares onde aquela maluca estaria enfiada almoçando. Nenhum exatamente bonito... ou seguro para uma garota como ela.
- Oi... - disse ele, olhou para o grande homem negro que descascava preguiçosamente uma maçã, encostado a uma parede ali perto, sorrindo tranquilamente, como se nada visse. Chamava-se Shad, e era o mais simpático dos peões do Chefe, com seus quase 3 metros de altura e largura - E quanto a você? Aqui não é exatamente um ponto turístico, senhorita.
Contornou-a e embarcou no Máscara.
- Será que poderia me dar uma carona? Não conheço muito bem a região - perguntou ela, com as mãos para trás e um tom de voz meloso imitando uma garotinha boboca. Cogitou deixar que ela se virasse, mas ela conseguira o fazer rir, deixando-o menos tenso. Acenou afirmativamente com a cabeça. Ela embarcou saltitante com a satisfação estampada no rosto. Do alto do grande navio, um operário de carga o chamou.
- Hey, Dom Juan! - Lucke o reconheceu e cumprimentou com um aceno - Barco novo?
- Marco vai ter que empurrar aquela banheira pra outro agora - gritou de volta.
Lucke entrou na cabine e guiou o pesqueiro para fora da doca.
- Mudou de barco recentemente? - perguntou a garota, como que pra quebrar o silencio.
- Eu alugava um... Meu pai tentou fazer esse aqui se desmanchar na maresia, mas eu cuidei bem dele por muitos anos. Daí ele resolveu me dar.
- Hm - Ela tamborilou os dedos na beirada do balcão de mapas por um tempo - Mas ouvi dizer que você já trabalhava nas ilhas antes... O que fazia?
- O de sempre, tráfico de pessoas - ele observou-a tremer levemente o sobrolho, e sorriu - Ah, desculpe. "Tráfego". Essa sua língua é um pouco complexa.
No restante do caminho até a doca 3 conversaram sobre outras trivialidades. Ele estava interessado na universidade e seus propósitos, e ela talvez almejasse escrever uma biografia dele.
Já atracados, enquanto ela cumprimentava alguns colegas que chegavam para o transporte, lhe ocorreu. Ela estaria o investigando? A julgar por tudo, era muito plausível. Então, outra duvida surgiu. A mando de quem? A policia havia descoberto seu envolvimento com o Chefe? Talvez, mas era pouco provável que fossem mandar um agente para isso. Não tinha qualquer relação com o Chefe além de carregar uns caixotes. Não havia lucro em Lucke, uma vez que a carga era abandonada no porto sob a proteção de um simples glifo e um brutamontes. Chefe? Estaria ele de alguma forma desconfiado de seu humilde jovem carregador?
Anka falava com duas garotas, encostada na murada da popa. Notou que Lucke a observava e sorriu. Sim, talvez houvesse um motivo para aqueles sorrisos serem tão irritantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comenta aí!!